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Cultura

As Estações de Paranaguá

Membro do Centro de Letras Leôncio Correia de Paranaguá, responsável pela Secretaria Geral, Alexandre Camargo de Sant’Ana, fez um artigo alusivo à obra

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O dia 5 de junho entra para a história de Paranaguá como o dia da reinauguração da Estação Ferroviária. A cerimônia não pôde contar com a presença do público, sendo acompanhada somente por algumas poucas autoridades e profissionais de imprensa que realizaram o registro, em virtude da pandemia do Coronavírus (Covid-19).

O projeto para restauro foi desenvolvido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão do Governo Federal, e repassado ao município. A restauração completa teve investimento de R$ 2,2 milhões, sendo R$ 435 mil de recursos próprios da Prefeitura de Paranaguá e R$ 1,7 milhão do Governo Federal. Vale destacar que o prédio foi restaurado tendo sido respeitadas as características do projeto original. Todo o acervo com peças que remontam ao período em que a Estação Ferroviária foi construída, bem como a estrada de ferro, está em exposição no prédio. Trata-se de um museu com objetos originais.

Documentos históricos mostram que a estrutura da Estação Ferroviária incluía o espaço onde atualmente está instalada a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, ao lado, inaugurada em 1884. A princesa Isabel esteve em Paranaguá para acompanhar a inauguração de trecho da Estrada de Ferro e desembarcou com sua comitiva no local. O prédio atual passou por alterações em 1922. Todas as intervenções realizadas na restauração de 2020 tiveram anuência dos órgãos de proteção do patrimônio cultural.

Mas para detalhar sobre a história desta importante obra, o membro do Centro de Letras Leôncio Correia de Paranaguá, responsável pela Secretaria Geral, Alexandre Camargo de Sant’Ana, historiador, bancário e autor de relevantes trabalhos de pesquisa, entre eles ” O Chafariz”, “Rio Branco”, ” Paranaguá e Águas” e autor de livro sobre Júlia da Costa, fez um artigo que relata todas as fases deste prédio que hoje é um dos cartões-postais de Paranaguá. Confira o que relata o historiador:  

O prédio da Estação Ferroviária finalmente está restaurado. Excelente presente à História de Paranaguá e, por isso mesmo, é necessário apontar alguns detalhes sobre o assunto, afinal, o tema gera divergências de opiniões.

O prédio original da Estação foi construído onde atualmente funciona a Secretaria de Cultura e Turismo, na esquina da Praça Fernando Amaro. Segundo as fontes encontradas, apesar das pequenas transformações ao longo das décadas, o prédio original permaneceu servindo de estação até 1921, ano no qual o Governo Federal construiu a Nova Estação, que passou por melhorias e foi finalizada em 1922.

 A Velha Estação

A data oficial de inauguração da Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba é fevereiro de 1885. Mas pouca gente sabe que quatro anos antes, em 15 de outubro de 1881, houve uma viagem inaugural do primeiro trecho concluído, entre Paranaguá e Morretes, contando com 300 ilustres passageiros – inclusive os já inimigos mortais, Visconde de Nácar e Professor Cleto. Segundo um jornal da época, durante o trajeto de duas horas, bandas tocaram preciosas peças musicais e por onde a serpente com cabeça de fogo passava havia muita comemoração e vivas do povo que corria à beira dos trilhos. Para desapontamento da comitiva parnanguara, a recepção em Morretes não teria sido tão calorosa como imaginada (O Paranaense, 31 de outubro de 1881). O jornal “Província do Paraná” parabenizou as cidades irmãs por tão “auspicioso acontecimento” (18 de outubro de 1881) e alguns dias depois publicou telegramas de felicitações enviados por autoridades por conta da viagem inaugural (21 de outubro de 1881).   

Segundo a “Revista de Engenharia”, do Rio de Janeiro, em 1883 já existiam as estações de Paranaguá, Porto D. Pedro II, Alexandra e Morretes. A mais importante era a do Porto, contando inclusive com uma ponte de embarque e desembarque de 130 metros de comprimento, permitindo a atracação de navios de grande calado (Revista de Engenharia, 14 de janeiro de 1883). Naquela época, a estação de Paranaguá era onde hoje funciona a Secretaria de Cultura e Turismo e o limite do terreno ficava na atual Rua Faria Sobrinho, ainda chamada de Pecêgo Junior. No ano de 1887, aprovaram o projeto de construção dos muros dos terrenos da Estrada de Ferro, inclusive na frente que dava para a Rua Pecêgo Junior (Commercial, 24 de setembro de 1887).

A imagem a seguir, apesar de relativamente recente, ainda permite visualizar como o terreno da primeira estação chegava à Rua Faria Sobrinho, assim como o mapa de 1922, que também deixa claro o limite do terreno naquela rua, ainda chamada de Pecêgo Junior. Vale a pena adiantar: por muito tempo não existia ligação entre a Rua Rodrigues Alves e a Avenida Arthur de Abreu, pois tal conexão ocorreu apenas na década de 90. É possível ver como o prédio da velha estação (que na época desta fotografia já era apenas o armazém da Estrada de Ferro) quase tocava na edificação ao lado. Essa proximidade com antigo casarão também aparece em outras imagens da pesquisa, como veremos à frente.

Antes de continuarmos, precisamos ter em mente que ao final do século XIX e até 1912, toda a região, onde atualmente encontra-se esta estação restaurada, o terminal urbano, prédio dos Correios, Ginásio de Esportes e Biblioteca, não integrava a área urbana. Tudo era um enorme banhado cortado por um riacho e ficava fora dos “limites” da cidade. Naquele antigo pântano, existia uma cruz centenária (talvez bicentenária), chamada cruz do Pica-Pau, um local de intensa devoção popular. Também havia uma lavanderia e a Fonte Nova (instalada em 1860). Somente em 1912 a Prefeitura começou a aterrar e urbanizar aquela região (Diário do Commercio, 17 de julho de 1912).

Deste modo, o prédio da velha estação ficou fora dos limites urbanos por um bom tempo. Como mostra a descrição de um viajante em 1907, descer do trem e chegar à próxima rua era uma enorme dificuldade. Segundo ele, a estação da cidade, aberta ao nascente e recebendo o sol desde cedo, tornava-se uma fornalha. Além disso, há pouco tempo, antes da construção da Praça Fernando Amaro (1906), ao descerem do trem, os passageiros enfrentavam um areal até o muro da antiga Santa Casa, demandando “esforço não pequeno” para alcançar a Rua Dr. Leocádio. Tudo isso mudou com a construção da Praça, que em 1907 já era um belo logradouro com canteiros geométricos e floridos (A República, 02 de maio de 1907). Ou seja, os passageiros desciam na esquina da Praça e não lá embaixo, onde inclusive era um extenso banhado até 1912. Temos inclusive uma fotografia panorâmica mostrando a velha estação e o areal citado pelo viajante.

Nesta fotografia, ao lado esquerdo, podemos ver o primeiro prédio da Velha Estação. Aumentando a imagem, surge ao lado da estação, uma estrutura parecida com a armação de um telhado, como se já estivessem construindo a segunda edificação, que seria o armazém. À frente do prédio, além da cerca, todo o terreno não passava de um areal, até chegar ao muro branco, do lado direito e parte superior da fotografia. Aquele era muro do cemitério atrás da Capela do Bom Jesus e apenas ali começava a Rua Dr. Leocádio. Estes pontos brancos no canto esquerdo inferior, no lado de lá dos trilhos, sobre a cerca, e mais adiante, na cerca próxima ao Hotel, são roupas estendidas ao sol. Como dito anteriormente, naquela região pantanosa existia uma antiga lavanderia pública, um pequeno riacho, a Fonte Nova (de 1860) e a Cruz do Pica-Pau. Local de intensa movimentação popular, não passou de um banhado até 1912. Abaixo, uma imagem da velha lavanderia, inclusive com roupas estendidas no chão. Vemos ao fundo alguns vagões e indivíduos. A lavanderia foi destruída em março de 1914 e gerou protestos das lavadeiras, que “botaram a boca no mundo inteiro, e as pragas surtiram calamitosas”. Segundo a matéria (apesar da dificuldade de lavar roupas em uma cidade sem esgotos e pouca água), as lavadeiras não compreendiam o progresso e o mal à “esthetica e moralidade” ao estenderem “roupas pelos arredores da Estação” (Diário do Commercio, 06 de março de 1914).

A velha estação aumentou com a construção do segundo bloco e na imagem abaixo, de dentro para fora, já vemos os dois prédios: o primeiro, um pouco mais antigo, e após uma pequena cerca, a segunda edificação, que seria o armazém.

Por este outro ângulo também é possível enxergar um pouco da fachada branca e a beirada do telhado do segundo prédio, ao lado de lá da estação original e bem mais simples. Na extremidade dele, temos aquela edificação quase encostada no armazém da estação, o velho casarão citado anteriormente.

Em outra fotografia quase do mesmo ângulo, aparece a Praça Fernando Amaro, inclusive com árvores, evidenciando ser posterior a 1909, pois, em novembro daquele ano, um visitante reclamou que a Praça estava sem flores e árvores, quase nua (Diário da Tarde, 5 de novembro de 1909). A extensão da cerca também aumentou, aparentemente seguindo o limite que viria a ser a Avenida Arthur de Abreu.

No mês de outubro de 1910, os jornais cariocas “Gazeta de Notícias” e “O Paiz” publicaram a mesma nota sobre as péssimas condições da estação de Paranaguá: “Uma estação primitiva”; sem sala de espera para as senhoras, obrigadas a dividir o lugar com os carregadores e os maltrapilhos; sem lavatórios e nem “logar para necessidades urgentes” (5 de outubro de 1910).

O contrato de arrendamento da Estrada de Ferro passou por revisões em 1912 e segundo algumas notícias, uma das promessas era melhorar a estação de Paranaguá. De acordo com o “A República”, haveria amplificações (2 de janeiro de 1912). O “Diário da Tarde” afirmou que seriam investidos mil contos em diversas obras, entre elas a remodelação da estação de Paranaguá (3 de janeiro de 1912), que passaria por uma ampliação para dividir a sala de espera por classes e separar o setor de bagagens (4 de janeiro de 1912). Aparentemente as melhorias não ocorreram, pois em setembro o jornal local chamou a estação de “Casebre”, “prova do nosso atrazo de transporte”, uma “confusão de pessoas e bagagens”, uma “melange de classes” (Diário do Commercio, 7 de setembro de 1912). Dois meses depois, o mesmo jornal afirmou que a estação “além de ser um pardieiro, faz economia de luz” (7 de novembro de 1912). No “atravancamento da gare”, cargas e passageiros amontoados transformavam “aquelle pardieiro indecente n’um armazém” (18 de novembro de 1912). Os passageiros precisavam, “fazer evoluções por cima de saccos e de caixões, de couros, para attingirem a portinhola dos wagons (…) nossa Estação constitui uma vergonhosa demonstração de atrazo” (17 de dezembro de 1912).

A fotografia acima foi tirada a partir da Praça Fernando Amaro e permite ver os detalhes da fachada e a fila de carroças para carregar os vagões. Já existe pavimentação, calçada e também árvores na praça. O prédio à esquerda é o de passageiros, enquanto o da direita era o depósito de cargas, construído posteriormente. Vale a pena ressaltar mais uma vez: este prédio da direita vinha até quase a linha da calçada da Praça Fernando Amaro. Ou seja, como dissemos anteriormente, não havia ligação com a Rua Rodrigues Alves.

No mês de março de 1914, a reclamação era sobre a promessa não cumprida de iluminação no “pardieiro” da estação. O velho prédio, “a célebre gare de 1885”, seria um símbolo do atraso de Paranaguá (Diário do Commercio, 30 de março de 1914). Uma descrição detalhada de junho daquele ano, realizada por um visitante de Curitiba, deixa claro o abandono da velha estação. Sua iluminação dependia dos mesmos lampiões a querosene de 30 anos atrás e o aspecto do prédio “é verdadeiramente horroroso”; as mesas do escritório estavam imundas e o chão coberto de lixo; “bancos indecentes” que sujavam a roupa; um “mar de… porcarias”. Na parte de fora, a situação não melhorava. “As cercas (e) os portões já não existem (…) o leito da linha (…) é hoje um depósito de lixo”. Além disso, a circulação de carroças entre as linhas, para descarga e carga dos “wagons”, transformava o pátio “num lamaçal onde ninguém mais pode transitar” (Diario do Commercio, 18 de junho de 1914). Tentando melhorar um pouco a situação da Velha estação, a prefeitura instalou um “columna de illuminação” no pátio do lado de fora. Enquanto alguns jornalistas verificavam o novo poste, um grupo de garotos passou a vandalizar o bebedouro público que havia ali na esquina da Praça Fernando Amaro. Os homens repreenderam os meninos. Através de uma nota jornalística narrando o ocorrido, pediam “uma severa reprimenda policial no rapazio vagabundo”. (Diario do Commercio, 13 de outubro de 1914).

Em agosto de 1915, um jornal curitibano denunciava que ainda não cumpriram a promessa de construção de uma Nova Estação em Paranaguá (Diário da Tarde, 12 de agosto de 1915). Ela ficaria assim ainda pelos próximos seis anos. 

A Nova Estação

O edital chamando concorrentes para construir “uma nova estação para passageiros em Paranaguá” começou a ser publicado no início de 1921 (A República, 6 de abril de 1921). Em outubro o prédio estava parcialmente pronto e o Governo Federal aprovou mais recursos “para construcção das obras complementares de que carece a nova estação do Paraná, em Paranaguá” (O Paiz, 29 de outubro de 1921). No dia 16 de novembro, o projeto das obras complementares foi aprovado e rubricado pelo Ministro da Viação (Correio da Manhã, 17 de novembro de 1921). Um mês depois, a promessa de inauguração da Nova Estação era para muito em breve (A República, 27 de dezembro de 1921). Entretanto, ao final de janeiro de 1922, o Governo prorrogou o prazo de entrega da obra (Commercio do Paraná, 21 de janeiro de 1922). De acordo com a mesma nota, o armazém também seria ampliado. Provavelmente trata-se da velha estação e de seu antigo armazém, que viraram um único prédio, quase encostado ao velho casarão da esquina, como podemos ver na imagem abaixo.

Mais tarde, já na década de 90, quando conectaram a Rua Rodrigues Alves com a Avenida Arthur de Abreu, a edificação teve uma parte derrubada e foi transformada no prédio atual, como detalharemos mais à frente. Na imagem acima, a Rua Dr. Leocádio termina na Estrada de Ferro e lá atrás ainda nem existe a Rua Rodrigues Alves.

De acordo com o historiador Edilberto Trevisan, em texto de 1972 disponibilizado pelo IHGP, não houve inauguração formal da Nova Estação e o prédio simplesmente foi entregue sem cerimônia no início de maio de 1922, mas ainda estaria incompleto. Realmente, quando a Nova Estação começou a ser usada, o relógio da fachada não estava instalado. Na fotografia seguinte, sem data, a fachada parece estar sem o relógio.

Em meados de junho, o relógio encontrava-se em Curitiba, na relojoaria do senhor Reinaldo Tampiln (sobrenome está um pouco ilegível), situada à Rua Riachuelo. Todas as peças foram fundidas na capital paranaense e o relógio seria instalado somente na próxima semana (Comércio do Paraná, 17 de junho de 1922). A instalação demorou mais do que o planejado e chegaram a tapar o orifício onde a peça ficaria. Conforme nota do jornal “Diário da Tarde”, de 5 de julho, reabriram o buraco na Nova Estação e o relógio foi finalmente instalado, mas por três dias se negou a funcionar.

Nem mesmo a região estava totalmente urbanizada quando a estação começou a funcionar em 1922 e uma semana depois da instalação do relógio, o mesmo jornal informou que a Avenida Arthur de Abreu – em frente à Nova Estação – recebia a instalação da galeria de esgotos e seu calçamento só aconteceria após o final das obras (Diário da Tarde, 7 de julho de 1922).

Deste modo, o prédio restaurado é altamente importante para nossa história, assim como todo o patrimônio histórico da cidade, mas não é a estação original. Finalizado em 1922, 40 anos após aquela esquecida primeira viagem do trem até Morretes, este belíssimo prédio marca mais a entrada de Paranaguá a certo modelo de urbanização, do que a chegada da Estrada de Ferro à cidade. Historicamente falando, por mais irônico que possa parecer, o pequeno prédio onde atualmente funciona a Secretaria de Cultura e Turismo, na esquina com a Praça Fernando Amaro, apesar de todas as transformações pelas quais passou, simboliza muito mais a chegada da Estrada de Ferro em Paranaguá.

Conclusão

No começo, havia apenas uma pequena estação. Em seguida, um segundo prédio foi construído ao lado para servir de armazém. Depois, na década de 20, conectaram os dois pequenos edifícios transformando tudo em uma única edificação que chegava quase na parede do antigo casarão. Finalmente, nos anos 90, com a união da Rua Rodrigues Alves à Avenida Arthur de Abreu (autorizada e normatizada pela Lei 1622 de 5 de setembro de 1990), ocorreu “a demolição de parte do armazém de carga (…) da Estação Ferroviária (…) bem como a demolição de muros de vedação”. Segundo a mesma lei, o marco indicativo do Km Zero não poderia ser alterado de lugar (https://leismunicipais.com.br/a/pr/p/paranagua/lei-ordinaria/1990/163/1622/lei-ordinaria-n-1622-1990-autoriza-o-poder-executivo-a-celebrar-contrato-com-a-rede-ferroviaria-federal-s-a-tendo-por-objeto-a-ligacao-das-ruas-rodrigues-alves-e-dr-leocadio-e-da-outras-providencias?q=rodrigues%20alves).

Deste modo, o prédio chegou à atual aparência, que bem na verdade não tem nada a ver com as edificações originais.  

Mas tudo isso serve apenas para tentar esclarecer certos fatos. Em nada diminui a relevância da restauração da Nova Estação. Apesar de não ser a estação original, o restauro deste belo prédio é sim um presente à memória histórica da cidade de Paranaguá.

Autor

Alexandre de Camargo Sant’Ana possui graduação em história pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (2006), especialização em história, arte e cultura pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2013) e curso-técnico-profissionalizante em Técnico em Eletrotécnica pelo Colégio Industrial de Lages (1993). Atualmente é assistente de negócios do Banco do Brasil S/A.

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