A cor da pele ainda é um impedimento para as pessoas serem tratadas de forma igual no Brasil e no mundo, o que não deveria acontecer. Eventos recentes mostram que o racismo e a injúria racial, ainda que sejam crimes previstos na legislação, são práticas frequentes que precisam ser combatidas na sociedade. A advogada criminalista e mestranda em Direito, Silvia Tramujas, explicou o que mudou na legislação brasileira com relação aos crimes e quais as diferenças entre eles.
O que caracteriza o racismo e a injúria racial para a legislação brasileira?
Neste ponto, importante esclarecer que, para a legislação brasileira, o racismo pode se dar de diversas formas, sendo uma delas a injúria racial. Na Lei do Crime Racial (Lei 7.716/1989) existe a previsão de diversos crimes. O que normalmente se costuma querer dizer com a expressão crime de racismo é o crime previsto no artigo 20 desta lei que é caracterizado pela prática, indução ou incitação de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
A grande diferença deste para o crime de injúria racial é que o crime do artigo 20 se caracteriza pela ofensa à dignidade de toda uma coletividade de pessoas por razões raciais. Já o crime de injúria se caracteriza pela ofensa à dignidade ou o decoro de alguém, em específico, por razões raciais. Assim, a injúria racial diferencia-se por ser uma ofensa mais individualizada.
O que mudou com a Lei 14.532/2023 e como era antes?
A Lei 14.532/2023 basicamente alterou as disposições relativas ao crime de injúria racial e ao crime do artigo 20 da Lei do Crime Racial, popularmente chamado de crime de racismo.
Antes, a injúria racial era tão somente uma modalidade mais grave do crime de injúria e tinha pena de reclusão de um a três anos e multa. Com a Lei 14.532/2023, a injúria racial passou a integrar o rol de crimes previstos na Lei do Crime Racial (Lei 7.716/1989), mais especificamente em seu artigo 2.º-A, e teve sua pena aumentada, passando a ser de reclusão de dois a cinco anos e multa. Isso significa dizer que o crime de injúria racial oficialmente passou a ter as mesmas características dos crimes de racismo, não admitindo fiança e não sendo passível de prescrição.
No que diz respeito ao crime do artigo 20, a lei trouxe novas disposições. A que mais chama atenção se refere ao crime de prática, indução ou incitação de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional praticados no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público. Para estes casos, a pena de reclusão é de dois a cinco anos, além de uma proibição de frequência, por três anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso. Assim, essa nova disposição trouxe não só uma pena de reclusão aumentada, como também uma pena de suspensão de direito nestes casos.
Quais as penas previstas na lei?
Importante destacar que a Lei do Crime Racial prevê vários crimes resultantes de preconceito de raça ou cor e, consequentemente, várias penas. No entanto, certo é que, ao se pensar em racismo, normalmente se está fazendo alusão ao crime de injúria racial e ao crime do artigo 20. No que diz respeito ao crime de injúria racial, possui pena de reclusão de dois a cinco anos e multa. Já o crime do artigo 20, popularmente chamado de crime de racismo, possui pena de reclusão de um a três anos e multa. Este crime possui algumas modalidades mais graves: se cometido por intermédio de meio de comunicação social ou de redes sociais, a pena é de reclusão de dois a cinco anos e multa; e, se cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público, a pena é de reclusão de dois a cinco anos, além de uma proibição de frequência ao local por três anos, conforme o caso.
Eventos recentes no meio esportivo mostram que o racismo ainda é presente na sociedade (O atacante do Real Madrid e da seleção brasileira, Vinicius Junior, foi vítima de ofensas racistas durante partida contra o Valencia, pelo Campeonato Espanhol). Na sua opinião, como a legislação contribui para a mudança dessa realidade?
Em relação ao recente evento envolvendo o atacante do Real Madrid e da seleção brasileira, Vinicius Junior, é importante consignar que o ocorrido não foi no Brasil e, portanto, não terá incidência das leis brasileiras. Mas por certo revela como o racismo ainda é presente na sociedade moderna e como, infelizmente, ainda é um problema mundial. Na minha opinião a legislação contribui e muito para a mudança da realidade em nível nacional, seja no aspecto de prevenção quanto de repressão. O que se pretende com a legislação rigorosa quanto aos crimes de racismo é evitar a ocorrência de novos crimes através da mudança cultural – a criminalização das condutas racistas ajuda no processo de internalizar que essas práticas são erradas – e, também, pelo medo da punição.
Com base no que tem observado no meio jurídico, com relação aos crimes de racismo e injúria racial, quais os tipos de casos mais frequentes?
O que se observa com relação aos crimes de racismo é que ocorrem com maior frequência no ambiente virtual e em locais públicos, como por exemplo restaurantes, shoppings e estádios. As circunstâncias variam de caso a caso, mas certamente pode se verificar uma maior ocorrência em situações em que o indivíduo que comete o crime não pode ser facilmente identificado, como infelizmente são os casos de ofensas em razão de cor ou raça através das redes sociais ou em jogos de futebol.
Como as denúncias devem ser feitas?
No Estado do Paraná, existe um programa chamado SOS Racismo para receber denúncias de discriminação em razão de raça, cor, etnia ou religião. Através dele, as denúncias são encaminhadas aos órgãos competentes para averiguação. Qualquer pessoa pode registrar e a denúncia pode ser feita no telefone 0800-642-0345, de segunda à sexta, das 9h às 17h, ou por e-mail [email protected].
A denúncia também pode ser feita pelo canal 190 ou através de registro de boletim de ocorrência na delegacia competente.