Paranaguá tem 872 medidas protetivas vigentes, ou seja, ações judiciais que visam a conter a violência que uma mulher sofreu ou pode estar sofrendo. Em um cenário como este, surge o Projeto Lótus, por iniciativa do Cemsu (Central de Medidas Socialmente Úteis do Tribunal de Justiça do Paraná), do Poder Judiciário no município. A iniciativa é baseada na Justiça Restaurativa, que visa a resolução de conflitos através do diálogo.
O Projeto Lótus tem sido planejado desde novembro de 2023, assim que a Cemsu foi criada. “Quando fomos inseridas na Central de Medidas Socialmente Úteis, uma das ideias já era ter esse contato com os homens autores de violência, então estudamos outros projetos e as possibilidades e, este ano, estamos colocando em prática”, informou a psicóloga Letícia Freitas Fontes.
A Cemsu é composta por uma equipe multidisciplinar, sendo uma psicóloga, uma assistente social e uma bacharela em direito; o coordenador do projeto, o juiz da 1.ª Vara Criminal, Dr. Leonardo Marcelo Mounic Lago; e a chefe administrativa da Central, Thais Felix Zuba de Oliva. Além de outras facilitadoras voluntárias, somando cerca de dez pessoas.
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O município tem cerca de 30 homens aptos a participar do projeto a partir desse mês de maio. As reuniões acontecerão a cada 15 dias com temas propostos para orientar, refletir e responsabilizar esses cidadãos que praticaram algum tipo de violência contra a mulher.
“A maior dificuldade que vejo entre essas pessoas é a dificuldade de entender a violência. A violência acontece desde sempre até a gente tentar mudar. As mulheres estão muito mais bem informadas sobre os seus direitos e se sentindo seguras para falar”, destacou a psicóloga.
A chefe administrativa da Cemsu, Thais Felix Zuba de Oliva, frisou que Paranaguá tem uma Rede de Proteção à Mulher, mas esse projeto fica vinculado ao Judiciário.
“Existe uma previsão na Lei Maria da Penha. O juiz quando aplica uma medida protetiva para esse homem e encaminhar ele para participar do projeto, ele não é obrigado a participar, é convidado e, se participar de todos os encontros, ao final, isso pode ser contado como um benefício quando o juiz for sentenciar, caso esteja respondendo a um processo criminal”, declarou Thais.
Objetivo
A assistente social, Patrícia Carolina Machado Dolenga, que também faz parte do projeto, afirmou que o Projeto Lótus é uma oportunidade de olhar a violência contra a mulher de uma maneira diferente.
“Grande parte da população entende como violência doméstica apenas aquela que deixa marcas, no caso a violência física, mas a Lei Maria da Penha, além da violência física traz em seu escopo a violência moral, psicológica, sexual e a patrimonial. Geralmente, a sociedade não compreende o contexto de trabalhar com o autor da violência, ainda é entendido como uma inversão de valores, mas essa é a melhor forma de responder a essas mulheres em situação de violência”, observou Patrícia.
Segundo ela, a iniciativa pode evitar que os casos continuem ou, ainda, que os agressores cometam o crime com outras mulheres. “Ele provavelmente terá outros futuros relacionamentos, sejam eles afetivos ou até mesmo a convivência com filha, irmã, mãe, e se o ciclo abusivo de relacionamento continuar, outras mulheres sofrerão com as mesmas consequências”, destacou Patrícia.
Desta forma, o maior objetivo do Projeto Lótus é a conscientização para o reconhecimento do ato errôneo praticado e também responsabilização desses homens autores de violência doméstica para que não haja reincidência dos casos.
“A Lei Maria da Penha mesmo sendo considerada como protetiva, não evita a violência doméstica, existe a necessidade de uma mudança cultural, social e educacional para que esse tipo de violência deixe de existir”, finalizou Patrícia.
Medidas protetivas nos casos de violência contra a mulher
A estagiária de pós-graduação em Direito, Roziane Sans, lembrou dos tipos de medidas protetivas de urgência que podem ser aplicadas nos casos de violência doméstica.
“Dentre essas medidas estão o afastamento do lar, o impedimento de aproximação ou contato com a vítima e, também como medida de proteção, que esse agressor compareça a programas de recuperação e reeducação. Então os processos chegam até nós através de uma decisão judicial que concede essas medidas protetivas à vítima e determina que o acusado compareça até a Cemsu para uma entrevista preliminar”, disse Roziane.
Na entrevista, também chamada de psicossocial, é apresentado o projeto reflexivo, se esclarece sobre a importância da participação e é realizado um cadastro para que, posteriormente, o homem seja incluído em um grupo.
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Índices
Roziane lembra que o Brasil ocupa o 5.º lugar no ranking mundial de feminicídios, segundo pesquisa realizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas e Direitos Humanos, e possui mais de 700 mil ações penais envolvendo violência doméstica. No Paraná, são mais de 40 mil medidas protetivas concedidas no último ano.
“Diante de números tão alarmantes, o Projeto Lótus é de extrema importância, pois é uma ferramenta que busca interromper esse ciclo de violência e tratar todos os envolvidos. Por ser baseado na Justiça Restaurativa, o projeto busca promover a reflexão e trabalhar com a prevenção da violência em todas as suas formas”, destacou Roziane.
A equipe da Cemsu acrescenta que a classe social não é um determinante para a presença de casos de violência contra a mulher. Segundo elas, esse tipo de violência ocorre em todas as classes sociais e não só entre a população mais vulnerável.