Alguém poderia se perguntar sobre o que Gilberto Gil quis dizer ao cantar a fé. Poderá, sem dúvida, descobrir uma compreensão bastante variada de credos e devoções. Contudo – e isso considero fundamental –, a fé é apresentada como aquilo que dá sentido à vida, às lutas do dia-a-dia. Ela está “num pedaço de pão”, está “viva e sã” e “vai onde quer que eu vá, a pé ou de avião”. A fé sustenta o caminhar das pessoas.
Por isso, não se pode confundir a fé com afirmações teóricas de algumas verdades ou, até mesmo, de uns poucos princípios. Certamente, o dogma e a moral – as verdades a serem aceitas e o modo de viver que delas decorre – fazem parte da existência das pessoas que creem. Mas, ser uma pessoa de fé é algo muito mais profundo e radical. É abertura a alguém, no caso dos cristãos, a Jesus Cristo. Abertura confiante, reconhecendo-o como o sentido último da própria vida, o critério definitivo do amor pelos irmãos e da esperança futura. Por isso, uma pessoa pode ser “crente”, mas incapaz de formular com segurança os conteúdos da compreensão cristã da vida. O que não dá para aceitar – e, infelizmente, existe – é o fato de alguém conseguir formular com segurança os diversos dogmas cristãos sem, contudo, viver entregue a Deus em uma atitude de fé.
Nesse sentido, o Evangelho deste Domingo, o 19º do Tempo Comum, Mateus 14,22-33, descreve a verdadeira fé ao apresentar Pedro, que “caminhava” sobre as águas, seguindo em direção a Jesus. Isso é acreditar. Caminhar sobre a água e não sobre terra firme. Apoiar a existência em Deus e não nas próprias razões, argumentos e definições. Viver sustentados não pela nossa segurança, mas pela nossa confiança nele. É um caminhar com fé, seguro de que ela não costuma falhar. Cristo veio ao mundo para que a pessoa de fé não permaneça nas trevas (Jo 12,46). “Quem acredita, vê; vê com uma luz que ilumina todo o percurso da estrada, porque nos vem de Cristo ressuscitado, estrela da manhã que não tem ocaso” (Francisco, Lumen Fidei, 1). Isso foi dito a Marta que chorava Lázaro, seu irmão: “Eu não te disse que, se acreditares, verás a glória de Deus?” (Jo 11, 40).
Essa luz da fé – que não ilude e nem se opõe ao crescimento humano e nem ao progresso científico – precisa urgentemente ser redescoberta. Ela “nasce no encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos precede e sobre o qual podemos nos apoiar para construir solidamente a vida. Transformados por este amor, recebemos olhos novos e experimentamos que há nele uma grande promessa de plenitude e se nos abre a visão do futuro. A fé, que recebemos de Deus como dom sobrenatural, aparece-nos como luz para a estrada, orientando os nossos passos no tempo. A convicção de uma fé que faz grande e plena a vida, centrada em Cristo e na força da sua graça, animava a missão dos primeiros cristãos.” Pela fé “reconhecemos que um grande Amor nos foi oferecido, que uma Palavra estupenda nos foi dirigida: acolhendo esta Palavra que é Jesus Cristo — Palavra encarnada –, o Espírito Santo transforma-nos, ilumina o caminho do futuro e faz crescer em nós as asas da esperança para o percorrermos com alegria” (Lumen Fidei, 7).
Também na atual situação de pandemia, “a fé não costuma faiá”.