Por: Kátia Muniz
Minha querida amiga de infância, aprendi que só consigo organizar a dor de duas maneiras: falando ou escrevendo. No primeiro caso, necessitaria de um ouvinte que estivesse na mesma sintonia ou que fosse, extremamente, empático e disposto a entregar seu precioso tempo. Mas quem, Ana, na correria dos dias está disponível para ouvir a dor do outro? Quem? Portanto, escrever costuma ser a minha catarse. O ritmo das letras e das palavras precisa dar conta de promover um alívio para o incômodo que, por ora, instala-se.
Na virada do ano, prometi a mim mesma que proporcionaria algumas mudanças significativas em 2022. Primeiramente, exercitar um olhar mais leve e otimista sobre a vida.
Mas como todos os dias são provas de resistência, logo no início de janeiro, recebi a primeira pancada: o acidente de trânsito que tirou você desse plano.
Desestabilizei. Perdi o chão. Chorei como há tempos não chorava.
A morte é sempre uma rasteira. A gente até encontra um jeito de se conformar quando se trata de uma pessoa com mais idade ou com alguma enfermidade e que, por conta disso, padece em sofrimento e dor. Mas, definitivamente, não era o seu caso. Você era uma mulher saudável, cheia de disposição, com vontade de viver, praticante de esportes. Como assim não está mais entre nós?
Nem deu tempo de ficarmos velhinhas, para sentarmos numa bela tarde, e recordarmos o passado. E por falar em passado, quão delicioso ele foi.
Todas as tardes estávamos juntas. Eu, você e mais quatro amigas. Éramos uma turminha barulhenta que se reunia no quintal da minha casa para brincar de casinha, esconde-esconde, cabra-cega, pular corda, escolinha, batizado das bonecas. Às vezes ganhávamos a rua para jogar queimada ou ainda brincar de Bento que Bento Frade, em que saíamos em disparada para realizar os comandos que o chefe mandou.
Todos os dias repetíamos as mesmas brincadeiras e, mesmo assim, nunca era igual.
Ana, eu e nossas amigas nunca imaginamos que nos despediríamos de você tão precocemente. Mas estávamos lá, agora mulheres, todas na casa dos 50 anos, para de alguma forma muito particular dizer o nosso adeus.
Eu lembrei que, todo final de tarde, quando já estávamos exaustas de tanto brincar, olhávamos uma para outra e dizíamos: “Amanhã a gente brinca mais”.
Minha querida amiga de infância, qualquer dia desses a gente se reencontra e, quem sabe, brincaremos de contar as nuvens no céu.
Ana Cristina, você sempre será uma doce lembrança.