O sistema de água potável encanada fez parte de um projeto maior de modernização urbana (baseado nos ideais europeus de cidade moderna) e além da transformação do espaço físico, seria necessário realizar mudanças comportamentais. Para evitar vandalismo ou barrar práticas individuais, a solução utilizada era força policial, reprimindo diretamente quem desviava do padrão de “bom cidadão”, alvos facilmente localizáveis.
Mas se a normatização fosse sobre todo o corpo social, alterando e extinguindo hábitos gerais (antes considerados normais), o processo era mais complexo. Não se tratava apenas de reprimir vagabundos e sim de mudar o comportamento da população inteira. Antes de enviar a polícia era preciso transformar o certo em errado, ou seja, com alterações nas leis o normal viraria crime; os discursos encarregavam-se do convencimento.
Em 1912 – antes da inauguração do sistema de água – um longo artigo no jornal local afirmou ser praticamente impossível manter a higiene e cuidar da saúde, pois faltava água inclusive para o banho, quem dirá de boa qualidade para beber. Cabia às autoridades resolverem primeiro o problema da carestia. Porém, os parnanguaras poderiam cooperar aproveitando mais a água da chuva; líquido precioso e abundante.
O discurso do jornal mudou quando chegou o sistema de água: de recurso natural e de boa qualidade, captar água da chuva virou infração. Todos deveriam esquecer este hábito retrógrado e avançar em direção ao novo, acabando com os vasilhames anti-higiênicos e acumuladores de mosquitos, principalmente porque a taxa básica garantia acesso à quantidade suficiente (e todos eram obrigatoriamente conectados ao sistema). Não havia escolha, o cidadão precisava obedecer à vigilância sanitária – abandonando uma prática porque foi transformada em infração – e aceitar a nova lei, entendendo ou não, concordando ou não. Caso contrário, haveria punição.
Por Alexandre Camargo de Sant’Ana