Salim Chede
Certa vez, estando em minha terra natal, fui visitar um amigo.
Encontrei-o a revolver seu veJho arquivo. Súbito, veio-lhe às mãos um opúsculo, no frontespício do qual li, com viva emoção, o nome de Fernando Amaro de Miranda.
O volume tinha por título — Versos — e fora publicado pela redação
de «O Sapo», em íaOl, como preito de homenagem ao primoroso vate que assinalou o marco inicial da poesia paranaense.
No Prefácio, escrito por Leôncio Correia, escritor que dignifica o Paraná, prosador, erudito e poeta de fina sensibilidade, deparei com os trechos que passo a transcrever: «Fenômeno curiosíssimo esse das imortalidades que avultam com o tempo! De muitas não se saberia dizer se o que nelas mais avulta é o nome que se tornou foco de irradiação, que se amplia e intensifica, ou se — fato mais de psicologia coletiva do que manifestação individual — representam um verdadeiro esforço, uma obra anônima de diversas gerações.
Felizes aqueles que puderam passar por este mundo deixando de sua alma um sinal — um sinal que seja! — que as almas futuras venham entender …
“Fernando Amaro” não deixou, propriamente, uma obra, é exato; não escreveu um livro, não nos legou um poema ou mesmo versos de admiráveis plasticidades… Sim, mas Fernando Amaro tinha na alma o fogo sagrado.
Nasceu Fernando Amaro de Miranda na cidade de Paranaguá, em 1832. Foi poeta como o foram ou aspiraram ser os do seu tempo.
Urgente é revelar nos sons da lira
A Leida meus amores; ocultá-los
Seria depreciar a, lei que rege
Aqueles que do belo são vassalos.
E com que pejo olhavas-me sorrindo,
Mas não me condenaste, que o transporte
Era de puro amor, pois bem compreendes,
Que o amor do bardo é puro, é santo e forte.
Foi incorrigível sonhador. O alheiamento às coisas terrenas trouxeram-lhe inúmeros desgostos. For isso, embora jovem, laivos de amargura em muitos versos seus.
Fernando Amaro sofreu em vida, tudo quanto um coração hipersensível pode sentir.
Como se não bastasse a pobreza com o seu cortejo de apreensões, que lhe prendia à terra a alma sequiosa da liberdade do Infinito, sofreu a maior desilusão de um verdadeiro artista: a incompreensão.
No ambiente paranagüense daqueles tempos, poucos talvez compreendessem o que de belo e útil há na arte. Eis porque zombavam do adolescente que vivia absorto em sismares.
Quero sofrer duras penas,
Só assim terei centenas
Destes meus acerbos cantos;
Sentidos, mas desprezados
Por esses que, bronzeados,
Se riem de alheios prantos.
A morte, tantas vezes amaldiçoada veio trazer-lhe o bálsamo reconfortante à alma sofredora. O desenlace foi imprevisto e rápido, como o extingüir-se de um raio de luz.
Aos 15 de outubro de 1857, na cidade de Morretes, violenta congestão pulmonar pôs termo à vida atormentada do poeta.
Fernando Amaro contava, então, vinte e cinco anos de idade…
10 de março de 1944.