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Dia da Mulher

Delegada defende a mudança de comportamento para combater a violência contra mulheres

Dra. Sâmia Cristina Coser, que atua em Matinhos há dois anos, recebe de cinco a 10 denúncias por semana no município

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Nascida em Medianeira, Oeste do Paraná, a Dra. Sâmia Cristina Coser, de 37 anos, tem desenvolvido um importante trabalho no combate à violência contra a mulher em Matinhos. Sâmia é delegada de polícia há 12 anos, sendo os dois últimos no município litorâneo. É formada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), pós-graduada pela escola de Polícia Civil e pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal.

Ela conta que comandou a Delegacia da Mulher de Curitiba por dois anos, período em que pôde aplicar diversas inovações, as quais fizeram com que o tempo de resolução dos casos caísse de anos para menos de dois meses. No entanto, no litoral paranaense, conheceu um aspecto diferente quanto aos casos de violência doméstica.

“Em Curitiba, a maioria das mulheres que buscam a Delegacia sustentam-se ou mesmo sustentam a casa, têm uma escolaridade um pouco mais alta e são, de uma maneira geral, mais independentes. Aliado a outros fatores, isso faz com que a taxa de desistência seja menor. Em Matinhos, os registros são relativamente recorrentes (de cinco a 10 por semana), contudo a taxa de desistência é assustadora, estando próxima dos 70%: as mulheres não realizam exames de lesões corporais, reatam o relacionamento, desistem das medidas protetivas, pois creem que os parceiros vão mudar, porque não querem ficar sozinhas, porque não têm como se sustentar”, analisou a delegada.

Quebrando barreiras

Em um universo majoritariamente composto por homens, as dificuldades aparecem, o que faz com que ela precise se esforçar mais para provar que é capaz de desempenhar outras funções que não sejam em delegacias da mulher ou da criança.

“Temos de ser fortes sem perder (totalmente) a delicadeza, estarmos o tempo todo provando que podemos ir além. Fiquei muitos anos na Delegacia da Mulher e, por vezes, não queria mais estar lá, mas era obrigada e, hoje, mesmo tendo desempenhado meu trabalho em delegacias como Furtos e Roubos, Furtos e Roubos de Veículos, Delegacia de Repressão a Crimes contra a Saúde e mesmo na Delegacia Cidadã de Matinhos, onde obtivemos índices de resolução de homicídios jamais alcançados por esta unidade, ainda tenho de escutar de colegas que seria melhor eu voltar a chefiar a Delegacia da Mulher de Curitiba. É frustrante ouvir isso, mas não deixa de servir como um desafio”, contou, destacando também que não se recorda de já ter tido problemas com homens subordinados pelo fato de ser mulher. Mas prefere ter uma relação próxima baseada no diálogo, no respeito e na humildade.

“Lembro bem a primeira vez que fui cumprir um mandado de busca e prisão de dois homicidas (meu primeiro caso). Nestas situações, é recorrente que o delegado vá à frente, mas os policiais, percebendo minha imaturidade, educadamente perguntaram se eu gostaria que eles tomassem a frente e eu não só assenti como perguntei o que fazer para não atrapalhar, já que eu sequer havia passado pela Escola de Polícia. Deu tudo certo e ainda dou risada dessa história quando encontro os policiais que estavam comigo”, contou Dra. Sâmia.

No entanto, ela afirma que já vivenciou algumas questões pontuais. “Foram tão excepcionais que prefiro acreditar que o problema está com aquela pessoa e não que isso seja uma conduta de classe. Fora da Polícia, já passei por poucas situações constrangedoras, mas na maioria das vezes percebo que as pessoas têm mais uma postura de surpresa ao saberem do meu cargo do que de preconceito, o que acho legal, principalmente quando uma adolescente ou uma menina me fala que também quer ser policial, pois estão vendo que uma mulher pode ser feminina, se cuidar, ter família e ser policial”, observou a delegada.

A luta pelos direitos

Como delegada, ela acredita que pode contribuir com a cultura do machismo dando palestras, realizando os procedimentos criminais, prendendo os agressores, mas que não pode mudar a cabeça das pessoas. “A educação e o exemplo devem ser dados em casa e reforçados na escola, na Igreja, nos centros comunitários, nas peças de teatro, nos programas de YouTube ou TV a que nossas crianças assistem. O homem que matou a namorada está preso, mas será que seu pensamento mudou?”, ressaltou Dra. Sâmia.

Feminino e feminismo

Nesse aspecto, a sociedade pode contribuir através da educação de meninos e meninas, começando pela compreensão do feminino e do feminismo. “O feminismo não é antônimo do machismo, mas sim a valorização da mulher, um pedido de igualdade. Precisamos elevar a autoestima das nossas meninas, ensiná-las sobre a importância da mulher na sociedade, na família. Fiquei assustada quando, após entrevistar quase cinco mil mulheres que passaram pela Delegacia da Mulher de Curitiba no ano de 2016, descobrimos que um dos fatores de maior peso para que a mulher não tivesse buscado a Delegacia antes era o medo de ficar sozinha”, disse a delegada.

Comportamentos para repensar

A delegada listou alguns comportamentos que devem ser repensados pelas famílias para combater a cultura do machismo e evitar, a longo prazo, casos de violência doméstica e feminicídios.

1) “a mãe manda a filha de 10 anos arrumar a cama e varrer a casa, enquanto o filho menino de 12 está deitado no sofá assistindo à televisão 'pois ele é homem': além de crescer com uma visão incorreta de que não precisa auxiliar nas tarefas do lar, esse menino crescerá acreditando que a mulher deve servi-lo e quando a esposa/companheira dele não o fizer ele se achará no direito de xingá-la, agredi-la”.

2) “o menino é extremamente egoísta, não divide nada com ninguém e ainda agride quem quer pegar algo que é seu, bate no pai quando este quer abraçar a mãe (que é "dele") e os pais acham bonito, incentivam essa sua má atitude: esse menino cresce achando isso natural, acreditando que tudo e todos são "dele", são sua propriedade, por isso não aceita o término do relacionamento, mata a ex-companheira ou seu atual companheiro não porque a ama, mas porque ela lhe pertence. Parece besteira, mas no ano de 2019 em Matinhos nós tivemos um homicídio consumado e mais uma tentativa de homicídio praticadas por jovens de nossa comunidade contra o novo namorado da sua ex-namorada. No começo de 2020, em nossa cidade, um homem colocou fogo e matou sua namorada, pois "achava que ela o estava traindo" e ao relatar isso o fazia de maneira natural como se lhe fosse dada a permissão para tirar a vida de uma mulher se ela o estivesse traindo”.

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