Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá

CASA DACHEUX II

Finalmente ocorreu o restauro da “Casa Dacheux”, quando se abrem novamente as portas da antiga venda do “Seu Jacó”, o Largo da Matriz se encontra em festa.

O artigo da semana passada terminou quando contei que a minha avó adquiriu o casarão do sr. Aníbal Dias Paiva no mês de maio de l912. Mudou-se para este prédio, de acordo com uma anotação sua que hoje está exposta nesta mostra, no dia 21 de setembro de 1912…. E, nesses quase 100 anos em que a nossa família viveu e conviveu nesta casa, passaram seis gerações, desde nossa bisavó Stella, mãe de vovô, francesa que nos transmitiu o sobrenome Dacheux e que mesmo depois da morte de vovô, continuou morando com vovó. 

Aqui nós crescemos, criamos nossos filhos, participamos do convívio fraterno com os vizinhos, vimos a matriz se tornar Catedral, a pedra, marco dos 300 anos da nossa cidade ser erguida no Largo Monsenhor Celso e, sob o comando de vovó, enfeitávamos as janelas todas as vezes que Nossa Senhora do Rosário saía em procissão. Pelo repicar dos sinos sabíamos quando era chamamento para a missa, para festa ou funeral.  Nessa época, década de 50 do século passado, moravam na parte térrea do sobrado seu Jacó e dona Helena, casal de libaneses, que mantinha um negócio de venda de doces, cigarros, frutas, lenha e outras miudezas, além do pinhão e milho cozidos, que dona Helena preparava no capricho e que se conservavam quentinhos dentro de um grande panelão de ferro. Seu Jacó, por ter sofrido um derrame, tinha dificuldade de locomoção e ficava sentado atrás do balcão, tomando conta da venda. Dona Helena fazia todo o serviço da casa e ainda ajudava no balcão. Durante muitos anos o casal morou no sobrado. Com frequência, falavam entre si em árabe. Pelos gestos que faziam e pelo tom de voz, sabíamos quando estavam brigando.

Na maioria das vezes falavam e riam muito. Eram sempre cordiais e amigos, bons vizinhos, bons comerciantes, vivendo em paz e harmonia. Certo dia, acordamos em meio a um grande alvoroço. Discussão, gritaria, confusão, aglomeração de gente… Apurando os ouvidos, percebemos que o “bate boca” era em árabe. Seu Jacó e dona Helena! … o que teria acontecido? Finalmente a resposta e o espanto geral: Dona Helena flagrou seu Jacó com uma namorada. Botou o velho para fora de casa e nunca mais o perdoou. De vez em quando, seu Jacó aparecia para tentar uma reconciliação. Nessas ocasiões, dona Helena fechava a venda e saía. Seu Jacó ficava sentado na porta chorando e falando em árabe, até que um parente seu vinha buscá-lo. Em pouco tempo, dona Helena encerrou o negócio e foi embora. Nunca mais tivemos notícias do casal. Aquelas portas fechadas entristeceram a vizinhança. O Largo da Matriz já não era o mesmo. Faltava espaço para as brincadeiras de esconde-esconde e para as correrias, que sempre passavam por dentro da venda, entrando por uma porta e saindo por outra. E as guloseimas? E os quitutes de dona Helena? E os quibes recheados? E a presença do seu Jacó? Ficou um grande vazio e a lembrança daquele casal que já fazia parte da nossa vida. Eram eles que diariamente abriam as portas da venda que não tinha nome, mas que tinha grande freguesia e que era conhecida na cidade inteira simplesmente como “Seu Jacó”.

Finalmente ocorreu o restauro da “Casa Dacheux”, quando se abrem novamente as portas da antiga venda do “Seu Jacó”, o Largo da Matriz se encontra em festa. Alegram-se os vizinhos, alegra-se toda a cidade de Paranaguá e, se alegra principalmente a nossa família, que mantém com este sobrado uma profunda ligação afetiva através de várias gerações.

Maria Helena Mendes Nízio

Diretora de Cultura – IHGP

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