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Paranaguá 375 anos

Casarios históricos no centro da cidade fazem parte da história viva de Paranaguá

Iphan destaca o trabalho que realiza na histórica cidade de Paranaguá

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Como é comum em muitas cidades coloniais e imperiais brasileiras, Paranaguá apresenta casarões históricos, especialmente no centro da cidade, com características típicas que mostram os antigos aglomerados urbanos. Aos olhos da população local e de visitantes que não possuem conhecimento aprofundado sobre a cultura e a história do município, vários elementos presentes nesses casarios podem passar despercebidos ou serem pouco notados.

Ao andar pela cidade, esses prédios “contam” a história parnanguara, a exemplo do Mercado Municipal do Artesanato, localizado na Praça de Eventos “Mário Roque”, assim como o Mercado Municipal do Café, sendo um dos pontos gastronômicos tradicionais da cidade de Paranaguá, além de outros. O que há de comum entre os casarios são as paredes largas, onde o uso de metais para colunas ou para a fundação dos prédios passou a ser usado com mais intensidade no início do século XX, depois da expansão da Revolução Industrial para os Estados Unidos da América.

São muitas as referências arquitetônicas em uma cidade como Paranaguá e os traços da arquitetura passada ainda se mantêm preservados. Cada bem tombado possui uma área de proteção imediata, onde as intervenções devem ser executadas de forma a manter sua integridade e proteger sua visibilidade. São bens (móveis e imóveis) tombados individualmente no município de Paranaguá, nas instâncias Estadual e Federal.

Foto: LinkedIn Sandra Corrêa

A arquiteta e Urbanista, Sandra Rafaela Magalhães Corrêa, da Divisão Técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), fala sobre sobre os casarios históricos de Paranaguá, algo que é de extrema relevância cultural e turística.

Qual é a importância da restauração de prédios para a preservação da história e da identidade cultural da cidade de Paranaguá?

Sandra Rafaela Magalhães Corrêa: O tombamento de Paranaguá se deu pelos seus valores históricos e urbanísticos, com forte componente paisagístico em especial devido ao Rio Itiberê. É um tombamento em conjunto, o que significa que cada uma das “partes” que estão dentro da área tombada é vista como elemento que compõe esse “todo”. Não se trata apenas do tombamento de edifícios específicos, mas de sua composição junto aos seus vizinhos, a rua, a paisagem.

A forma da cidade (como as ruas se desenvolvem, seu desenho urbano, suas características físicas, como os edifícios se organizam em termos urbanos, a localização de edifícios institucionais, religiosos, residenciais, comerciais, etc.) é fundamental para entender Paranaguá em termos históricos.

Observem a diferença da arquitetura dos edifícios em cada uma das ruas: conseguimos observar não só quais são mais antigos – e o desenvolvimento da cidade ao longo do tempo – como os usos que vão se modificando. O suporte material conta essa história: os edifícios com uso comercial no térreo, residencial no superior, muito característicos da Rua da Praia, originalmente portuária e importante área comercial, regiões que eram mais residenciais, como na Conselheiro Sinimbu, os edifícios religiosos, institucionais e educacionais demonstram as prioridades da sociedade em cada época.

A vida religiosa está configurada no Antigo Colégio dos Jesuítas e sua missão inicial de catequização dos povos originários, a Igreja de São Benedito, para os povos africanos, e a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Chagas, ambas erigidas e geridas originalmente por irmandades. A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que com suas inúmeras modificações, é uma das representações importantes das transformações pelas quais a cidade passou.

O Santuário de Nossa Senhora do Rocio, que não é tombado, é lugar fundamental para entendimento da Festa que está em processo de registro pelo IPHAN. A Ilha do Valadares, cuja população é muito presente no Centro Histórico, concentra vários mestres fandangueiros (o Fandango é patrimônio cultural imaterial registrado pelo IPHAN).

É difícil falar em tão poucas palavras, pois é clara a complexidade e profundidade do patrimônio cultural de Paranaguá, mas o que quero demonstrar é que as edificações, as ruas e a paisagem históricas concretizam esses significados e possibilitam experienciarmos essa antiguidade quando estamos em lugares como Paranaguá.

Paranaguá é uma cidade com um Centro Histórico, onde a arquitetura tem o seu protagonismo e, devido a isso, acaba fomentando o turismo na região. Sandra, como o Iphan atua nessa questão dos prédios históricos?

Sandra Rafaela Magalhães Corrêa: Como fiscal e técnica responsável pelo apoio a Paranaguá, estou na cidade pelo menos a cada 15 dias. Tivemos muito impacto da pandemia na presença do IPHAN na cidade, mas há pelo menos 2 anos retomamos isso de forma intensa. Como disse, nossa atuação é mais ampla do que apenas os prédios. Importa ressaltar que nosso olhar, em Paranaguá, está voltado para ações que tenham impacto na dinâmica social e econômica, para além da conservação física.

A instituição, nesse sentido, tem trabalhado de maneira próxima com a Prefeitura de Paranaguá com orientação e apoio técnico, mas também no sentido de formar parcerias para potencializar as ações do município para região – que são muitas – e também com vistas a alinhar nossos projetos às necessidades concretas da população e da administração municipal.

Nesse sentido, temos dialogado sobre a necessidade de projetos amplos de requalificação urbana e fomento a instrumentos de financiamento para proprietários de bens tombados, buscando parcerias e captação de recursos.

Entretanto, a complexidade e a responsabilidade de se pensar esse tipo de projeto leva tempo, o que por vezes frustra a sociedade. Mas importa destacar que estamos trabalhando muito. Como ações diárias, o IPHAN trabalha na aprovação de projetos – todas as intervenções na área tombada passam pelo instituto.

Aqui cabe um parêntese sobre a atuação da prefeitura – exemplar – que organiza, encaminha e retorna ao cidadão todos os projetos tanto para a Coordenação de Patrimônio Cultural do Estado do Paraná, que também tem área tombada em Paranaguá, e para o IPHAN, facilitando muito esse percurso para a população e para os órgãos de preservação. Também realizamos a fiscalização – toda intervenção sem autorização é notificada ou autuada, a depender da intervenção.

A atuação é regulada por Portarias específicas, Portaria IPHAN nº 420/2010 (aprovação de projetos) e n.º 187/2010 (fiscalização). Ressalto que todos os processos podem ser consultados pelo Sistema Eletrônico de Informação do IPHAN (SEI), e a população pode fazer denúncias se verificar algo irregular enviando para a ouvidoria do IPHAN: [email protected]

Sandra, são edificações de séculos passados, há registros salvos de algum prédio que você possa destacar? Por exemplo, algum prédio importante no passado e que hoje mantém a sua arquitetura?

Sandra Rafaela Magalhães Corrêa: Como falei, um dos tombamentos é do conjunto. Entretanto, há também edificações tombadas individualmente pelo IPHAN em Paranaguá: a Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, importantíssima para a história do Brasil, em especial para fim da escravidão, o Antigo Colégio dos Jesuítas, um dos mais antigos do Brasil e atualmente abrigando o Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR, a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Chagas, que chegou a ruínas e foi totalmente restaurada pelo IPHAN, recebendo sucessivas obras de conservação, e a Igreja de São Benedito, na qual conseguimos perceber a singeleza da arquitetura colonial já que é uma das mais preservadas (que menos sofreu alterações em Paranaguá).

Ao andar pela cidade, esses prédios contam a história parnanguara, cada um com sua característica

Destaco ainda o Instituto de Educação, que não é protegido pelo IPHAN mas é tombado individualmente pelo Estado do Paraná, e que mantém sua arquitetura extremamente bem preservada, além de ter o mesmo uso para o qual foi construído: educacional. É relevante a luta cotidiana da comunidade escolar em mantê-lo, e gostaria de reconhecer isso publicamente.

O Palácio Visconde de Nácar, que apesar de ter sido bastante desconfigurado em sucessivos abandonos e intervenções por vezes inadequadas, é muito simbólico historicamente e em breve será totalmente restaurado pela prefeitura. O conjunto de edificações da rua da Praia é muito importante, pois demonstra a riqueza de Paranaguá em determinada época e conforma com o Rio Itiberê uma paisagem única.

Quais são os critérios utilizados para a seleção dos prédios históricos a serem restaurados em Paranaguá, levando em consideração sua importância histórica, valor arquitetônico e potencial turístico?

Sandra Rafaela Magalhães Corrêa: O IPHAN nos últimos anos teve muito pouco recurso e atualmente enfrentamos o desafio de ter muitos poucos funcionários para atender à demanda necessária. Recentemente recebemos uma emenda parlamentar da então deputada Christiane Yared que destinou à Igreja Nossa Senhora do Rosário um recurso específico, cujas obras estão sendo concluídas.

Cabe ressaltar que a proposta era também realizar reparos no salão paroquial, mas a falta de manutenção nos revestimentos da Igreja durante décadas decorreu na necessidade de maiores investimentos do que o previsto inicialmente e impediram a realização dos serviços no edifício anexo.

Entretanto, nossa expectativa é que em breve sejam iniciados os trabalhos do Projeto Marco Zero, que terá investimentos pela Lei de Incentivo à Cultura Federal – Lei Rouanet – proposta por uma empresa em parceria com a Diocese e já com recursos comprometidos por empresas de Paranaguá – que terão dedução no Imposto de Renda de 100% do recurso investido por ser bem tombado em nível federal.

Ainda em diálogo com a deputada solicitamos o investimento também na Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, cujas edificações de apoio à visitação estavam em estado precário. As obras serão iniciadas em agosto. Além disso, ano passado foi concluído o projeto para restauração das Casas do Brasão e Portão de Ferro, localizadas na rua da Praia e em ruínas, que são de propriedade da União, com recursos da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e execução pelo IPHAN. A proposta é que seja implementada a Casa da Cultura Caiçara, com gestão pela prefeitura de Paranaguá.

Neste momento aguardamos recursos para execução das obras por parte da SPU. Destaco que ainda em agosto iniciaremos o projeto Canteiro Modelo de Conservação em Paranaguá, com recursos do IPHAN e implementação em parceria com a Universidade Federal do Paraná e a Prefeitura de Paranaguá.

O projeto terá foco na orientação, apoio e assistência técnica aos moradores do Centro Histórico, em especial para elaboração de projetos para moradias em situação precária, além da formação e capacitação de pessoas, tanto de operários quanto funcionários da prefeitura, estudantes, profissionais e moradores da área tombada.

Trata-se de uma estratégia nacional do IPHAN, e que propusemos para Paranaguá pela preocupação com relação à intensa degradação dos imóveis e o contínuo esvaziamento das moradias no centro histórico. É uma proposta que visa desenvolver as capacidades locais para preservação do patrimônio cultural, estabelecendo uma base institucional articulada para funcionamento a longo prazo.

Também visa fomentar o engajamento da sociedade local para a preservação, trocando experiências e conhecimento, desenvolvendo, portanto, soluções que partirão de Paranaguá para o seu patrimônio local.

Como a restauração de casarios históricos em Paranaguá contribui para o turismo cultural na região e qual é o impacto positivo dessa atividade na economia e no desenvolvimento turístico no Estado do Paraná?

Sandra Rafaela Magalhães Corrêa: O turismo sem dúvida é uma atividade importante no campo da preservação, e o patrimônio um atrativo fundamental no caso de Paranaguá. Sentimos, no entanto, a necessidade de aprofundar a experiência e o conhecimento que o patrimônio poderia gerar aos visitantes.

A prefeitura está finalizando o desenvolvimento de um projeto de sinalização turística, que foi analisado pelo IPHAN, que acreditamos aperfeiçoará a informação significativamente. Mas é preciso mais. Estamos dialogando com parceiros no sentido de trazer as potencialidades econômicas e culturais como dinamizadoras do centro histórico, pois é importante entender que, como parte da cidade, ele deve ser multifuncional e acompanhar o desenvolvimento da cidade, sem destruir o que tem de mais especial. Há vários exemplos, como o Porto Digital, no Recife, que veem nas áreas históricas, diferenciadas por suas qualidades estéticas e significações – identitárias e culturais – lugares especiais para desenvolvimento de soluções inovadoras.

É preciso compreender as vocações econômicas e sociais de Paranaguá e trazer isso para o centro. Nesse sentido, atuamos em apoio à prefeitura para retomar a proposta da implementação de um Pólo de Inovação que, se efetivado como proposto, ficará no centro histórico. Da nossa parte, temos trabalhado para orientar as pessoas e as instituições sobre as possibilidades de desenvolvimento das atividades em imóveis históricos garantindo a preservação, acabando com o estigma de que não é possível fazer nada em imóveis históricos.

Tudo é possível, desde que se observem as especificidades das edificações. Nesse sentido, é fundamental ter bons profissionais atuando nessas situações. A maior parte dos problemas e dos “nãos” dos órgãos de preservação advém de projetos ruins e pouco sensíveis ao patrimônio cultural. Nesse sentido também esperamos que o Canteiro Modelo de Conservação impacte significativamente.

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