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Paranaguá 375 anos

A cultura caiçara vive: Mandicuera e a perseverança na preservação do Fandango

Fandango é patrimônio imaterial de Paranaguá declarado pelo Iphan

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Cerca de 2 km após a passarela da Ilha dos Valadares é chegada a Associação de Cultura Popular Mandicuera, no bairro Sete de Setembro. O espaço voltado para a manutenção da cultura caiçara, especialmente o Fandango e suas manifestações, transporta os visitantes para um lugar muito diferente do observado no continente, mostrando que a cultura popular vive em Paranaguá.

O mestre fandangueiro, Aorélio Domingues, é quem ajuda a manter viva essa tradição no município.

“Nasci e me criei na Ilha dos Valadares, só saí para fazer Belas Artes e voltei, nasci no meio dos fandangueiros, meu avô era rabequista, meus tios também tocavam e isso sempre fez parte da minha vida. Toda a vizinhança dos Valadares tocava fandango, quando era criança, o fandango era considerado coisa de velho e ele foi se retraindo para dentro de alguns bares e festinhas”, contou Aorélio.

Foi nesse caldeirão cultural que nasceu a Associação de Cultura Popular Mandicuera. “Com nove anos eu já estava construindo rabeca até que chegou um momento que vi que estava totalmente envolvido e aos 14 anos já tinha convicção do que eu queria, que é trabalhar com cultura popular. Em 2002 fomos convidados pelo Sesc para fazer uma circulação nacional em 16 Estados brasileiros, 53 cidades, rodamos o Brasil inteiro. Em 2003, chegamos de viagem e fundamos a Associação Mandicuera”, contou Aorélio.

O intuito com a criação da Associação era ter um respaldo jurídico e abrange hoje o Fandango, a Folia do Divino, o Boi de Mamão, o Terço Cantado, além de tudo que a rodeia como a culinária local, o vocabulário, os instrumentos, artesanato e a promoção dessa cultura.

Patrimônio imaterial

Segundo o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o Fandango Caiçara é Patrimônio Cultural Imaterial desde novembro de 2012. O Iphan classifica o Fandango como um batido e bailado ou valsado, cujas diferenças se definem pelos instrumentos utilizados, pela estrutura musical, pelos versos e toques. “É uma prática de reiteração de identidade e determinante dos padrões de sociabilidade local”, de acordo com o Iphan.

Fotos: Associação Mandicuera

“O trabalho é árduo porque o patrimônio imaterial é intangível, são cantorias, receitas, conhecimentos. Aqui em Paranaguá temos registrado a língua guarani, o fandango e já está em processo a Folia do Divino. Teremos três patrimônios registrado”, diz o mestre Aorélio.

“A nossa alma está decantada, está no sangue, fazer enxergar esse patrimônio é difícil, tem que ter sensibilidade. Nós mantemos isso porque a nossa alma está aqui, esse é o nosso jeito de ser”, comentou.

Fotos: Associação Mandicuera

Segundo ele, há um desafio em manter viva toda essa história formada pela cultura popular. “As nossas rádios em Paranaguá não tocam a nossa música, temos um festival de música na cidade que não tem fandango. Quais cidades brasileiras tem uma música própria? O Rio de Janeiro tem samba, Curitiba não tem, Paranaguá tem o fandango, o Boi de Mamão e a Folia do Divino. Temos várias ferramentas de promoção da música que não passam por nenhum deles. Para a gente atingir os jovens a gente tem que concorrer com aquilo que está na mídia. O fandango está em pé porque a comunidade trabalha para isso”, explicou Aorélio.

No próximo mês, acontece em Paranaguá mais uma edição da Festa do Fandango, que tem crescido no município e também auxiliado na manutenção da manifestação cultural. “Essa festa não é feita para o turista, claro que eles vêm porque querem ver, mas é voltada para a comunidade. Não é uma banda oficial, é dia e noite, amanhece o dia com gente da comunidade tocando. São músicas que o Brasil não conhece, como pode ter uma cultura tão forte e viva na nossa região, por isso a importância desse patrimônio”, completou.

Instrumentos

Os instrumentos são um capítulo à parte no Fandango, são indispensáveis para manter essa tradição. “O fandango só vai se salvaguardar no cenário de Paranaguá se tiver instrumento na mão das pessoas. O fandango só se toca com seus instrumentos, eles possuem uma afinação própria, são três afinações diferentes. São seis tipos de viola, a rabeca de três e quatro cordas, o machete, adufo, a caixa”, explicou Aorélio.

A Associação Mandicuera hoje está focada na fabricação de instrumentos para repassar esse conhecimento para os jovens. “Para a gente alavancar essa salvaguarda a gente precisa, no mínimo, 50 jogos de instrumentos, para atender alguns pontos chave no território. Todos são doados para grupos de fandango, filhos de mestres. Para quem quiser adquirir a gente indica o mestre Zeca, assim como o mestre Taquinha”, disse Aorélio.

Neste ano, o Instituto Água e Terra (IAT) concedeu a dispensa de Licenciamento Ambiental Estadual (DLAE) para manejo de Caxeta (Tabeuia cassinoides), espécie nativa do Litoral do Paraná, utilizada para a fabricação dos instrumentos. A ideia é colaborar com a preservação de duas riquezas do Estado: a árvore ameaçada de extinção e a cultura fandangueira caiçara. A atividade foi considerada de baixo impacto ambiental por necessitar da extração de apenas uma parte da árvore que tem capacidade de regenerar e reproduzir.

“Estamos diante dos instrumentos mais antigos do Brasil, depois deles que nasce o violão com a música sertaneja e caipira. A gente olha para uma cultura que tem um valor muito grande”, completou.

Gravação

Um dos projetos mais recentes da Associação Mandicuera é a gravação de um CD com músicas de quatro grupos regionais de Fandango.

“O projeto é submetido à Lei Rouanet com aporte da TCP e contempla quatro grupos, Mestre Romão, Grupo Mandicuera, Mestre Brasílio e Pés de Ouro, tudo gravado aqui na Associação. Vamos fazer ainda duas músicas extras da Família Domingues e encaixamos as crianças do Mestre Eugênio. Agora estamos na fase de edição, registro das músicas no órgão regulador, e vai sair o CD e também estará disponível no Spotify de forma gratuita”, afirmou Aorélio.

No site da Associação Mandicuera há um acervo com fotos, vídeos, músicas e todo o trabalho realizado há quase 20 anos pelo grupo. Para o mestre Aorélio, a manutenção e promoção da cultura caiçara e do Fandango passa por toda a população, pelos artistas e não apenas pelo poder público.

“Nos ajudem a manter tudo isso, não importa se gosta ou não, o que importa é que é nosso e tem que se pertencer. É preciso ter uma noção do que é a arte e a cultura, isso é essencial que Paranaguá atenda. A cultura é o todo, todos estamos inseridos na cultura. O Fandango como patrimônio é cultura, a arte é o que reflete da cultura. A culpa da cultura popular não estar pujante em Paranaguá é não ter aqui uma sinergia e isso é culpa de todos, de não haver a promoção e a comunidade não gostar por achar feio. Temos muitos artistas na cidade, mas nenhum se apropria, eu não conheço artistas em Paranaguá que toque rock com viola, melodia com rabeca. A Nação Zumbi fez isso e difundiu o rock pernambucano. Não precisa tocar o fandango, mas dar a cara para outros ritmos, daí sim teremos uma escola, esse se pertencer. Já tocamos no Brasil todo e vemos o quanto isso é valorizado”, finalizou o mestre Aorélio.

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