O Promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná, Heric Stilben, concedeu entrevista ao MP no Rádio, quando falou da divulgação por terceiros, na Internet e em redes sociais, de imagens de pessoas envolvidas em crimes e acidentes.
No caso recente da escola de Suzano (SP), por exemplo, foram disseminadas fotos tanto das vítimas quanto dos criminosos, não apenas na mídia convencional, mas por muitos usuários de redes sociais e de sistemas de mensagens (Facebook, Instagram e WhatsApp, entre outras).
O promotor fala da legislação relacionada à propagação de imagens nessas situações, da possibilidade de responsabilização penal e cível de quem adota esse tipo de conduta e de como o Ministério Público pode atuar nessas situações. Confira a entrevista:
Com a facilidade de comunicação, possibilitada pelos aparelhos celulares que podem transmitir imagens em tempo real, tem sido comum a divulgação de crimes e acidentes pelas redes sociais. O senhor poderia nos falar o que diz a legislação hoje sobre este tipo de imagem? Ela pode ser feita livremente?
Heric Stilben: Há diversas consequências para as questões de divulgação de imagens envolvendo vítimas de crimes, de corpos etc. Primeiramente falando em responsabilidade civil, no caso se eu divulgasse o vídeo de uma criança morta, por exemplo, a família poderia entrar com uma ação de reparação de danos morais contra mim, não só contra mim, aquela pessoa que fez o vídeo e jogou em um grupo de WhatsApp, mas também em relação às pessoas que estão divulgando o vídeo, que ficam propagando o vídeo. Tem aí uma questão muito debatida na doutrina, enfim no âmbito do direito sobre esta questão de divulgação de imagem de cadáver configurar o crime de vilipêndio a cadáver ou não. Está no código penal artigo 212, muita gente entende, eu particularmente tenho um posicionamento que não seria aplicado a esse crime. Isso foi constituído na década de 40, e naquele momento, por razões óbvias os legisladores não tinham como tipificar esta conduta de se pensar em crime através de WhatsApp, mas sim daquela conduta do sujeito que destrói túmulo, picha ou pessoas que roubam o cadáver para tirar um dente de ouro, etc. A doutrina vem tratando sobre este crime ao longo de todos esses anos, porém ainda é recente esta divulgação através de WhatsApp, apesar do aplicativo ter alguns anos, a propagação destas imagens ganhou muita força, nos últimos quatro anos no máximo. Tenho uma reticência, a doutrina fala que é um crime de forma livre. Tecnicamente falando você pode praticar de qualquer forma, porém eu acho muito complicado de se tipificar esta conduta do crime, em que pese muita gente importante assim entenda.
Na prática, se um promotor achar que se está cometendo um crime, pode fazer a denúncia no caso de vilipêndio de cadáver, e a justiça que vai dizer se é ou não? Na questão Civil, a pessoa pode entrar com ação de reparação de danos morais?
Heric Stilben: Isso sem dúvida, por exemplo, divulgar a imagem de um bebê que sofreu um acidente, a família pode entrar com a ação, e inclusive tem um dado recente no Tribunal de Justiça de São Paulo, que o pessoal de uma funerária havia feito uma selfie enquanto fazia o preparativo do corpo de uma senhora que estava indo para o velório e a família recebeu a imagem durante o próprio velório, é logico que isso causa um dano moral na família e é possível entrar com uma ação e ganhar efetivamente. No direito penal é muito complicado para a gente coibir este tipo de prática. Conversava com um amigo a respeito destas questões de tecnologia, se seria possível o aplicativo, através de um algoritmo, identificar este tipo de vídeo e suspender o usuário. Isso é muito comum em foto, se você tentar portar uma imagem no Facebook ou Instagram algo que seja violador, os aplicativos vão bloquear. O vídeo é mais complicado, mas não impossível. Eu acho muito mais fácil de ser coibido assim.
Existe diferença se a imagem exposta é de um criminoso ou não? Se é maior ou menor de 18 anos?
Heric Stilben: Bem, no caso de ser criminoso ou não, a questão civil e para quem entende que é crime não faz diferença. Divulgar a imagem de uma pessoa não criminosa ou de um criminoso morto pela legislação não faz diferença, pois as pessoas têm preservada a dignidade e, em consequência, seus familiares em ver o corpo preservado, etc. No caso de adolescente, tem uma questão que, além de cível e do direto penal, no estatuto da Criança e do Adolescente, existe a previsão de infração administrativa para quem divulga imagem de adolescente envolvido em prática de ato infracional. Sendo que a pena será de multa que como mencionado dói no bolso.
As regras para divulgação de imagens de terceiros, dentro de um grupo restrito também pode gerar uma irregularidade e uma ação por danos morais?
Heric Stilben: Sim, sem dúvida, em que pese ter um grupo de 15 pessoas, a publicidade já foi feita. O que pode ser levado em consideração é um grupo que atingiu a divulgação em milhares de grupos de WhatsApp e isso ficou comprovado nos autos, influenciar em uma maior punição pelo juiz por meio de danos morais, em detrimento. Por exemplo, um vídeo que ficou restrito a um grupo de 15 pessoas, a questão da responsabilidade é inevitável, tanto faz num grupo de 15 pessoas quanto em diversos grupos. Com a propagação das redes sociais, estamos muito mais expostas a informações e mensagem que eventualmente a gente não goste, sejam questões políticas, jurídicas, de futebol, e não é diferente nas questões de vídeos com pessoas mortas. Só que quem gostava ia lá e acessava este tipo de informação. A gente tem que ter o bom senso que nem todos que estão em um grupo de WhatsApp querem ver imagens de crianças mortas, ou de facada ou de tiroteio, e a pessoa na hora de compartilhar tem que ter o mínimo de raciocínios e aquela informação vai atingir ou violar algum direito.
Nos casos em que um ex-parceiro que divulga as imagens do outro de cunho sexual, como fosse uma vingança. Isso também é passível de uma ação?
Heric Stilben: Recentemente, tivemos uma alteração no código penal, que incluiu o artigo 208 C, que prevê dois crimes. O primeiro crime seria em relação à divulgação de um crime coletivo cometido no Rio de Janeiro, e esse tipo penal prevê não só a divulgação de vídeo envolvendo estupro, mas também vídeos envolvendo a pornografia ou nudez sem consentimento da vítima, e é bom que fique claro que tanto para a mulher quanto para o homem. O crime configura não só o que divulga, mas também dos grupos que retransmitem o vídeo ou a imagem. Não vale aquela desculpa que eu só recebi e repassei. Na legislação também tem um item que possuir, ela não repassou, mas mantém em seu celular o vídeo da vingança pornô. A pessoa tem por obrigação apagar. Para quem não quiser responder um processo a pessoa que coíba, que se manifeste contraem seu grupo de WhatsApp, é um crime e vamos evitar. Além do crime, nesta situação também cabe processo por danos morais. A responsabilidade penal não exclui a responsabilidade civil.
Fonte: MP no Rádio é uma produção do Ministério Público do Paraná, realizado pela Assessoria de Comunicação do MPPR com apoio da Fundação Escola do Ministério Público do Paraná (Fempar).
Foto: divulgação Ministério Público do Paraná