Não se trata de uma ordem mal-educada, mas do nome de um navio à vela do Século XVII. O rei sueco da época, Gustavo Adolfo II, vivia às turras com a Polônia e Dinamarca e nas lutas contra eles havia perdido uns 10 navios de guerra importantes de sua esquadra, o que o levou a encomendar outros navios, porém maiores e mais poderosos, capazes de suplantar seus adversários pelo domínio do Mar Báltico. Assim, embora ele mudasse seus pedidos com muita frequência quanto ao tamanho e armamento dos navios que encomendava, chegou-se à definição de um “navio de linha” (como se definiam as belonaves de 1.ª categoria) com 200 pés de comprimento (69 metros) e com um convés principal para salvas de 32 canhões, divididos entre bombordo e boreste (“estibordo” é lusitanismo, não usado no Brasil). Foi encarregado da construção um mestre construtor holandês, Hendrik Hybertson, visto que os Países Baixos (nome oficial daquele país) eram possuidores da mais sofisticada técnica de construção naval à época. Prova disso era a constituição no começo do mesmo Século da primeira Sociedade Anônima do mundo, a Companhia Unida das Índias Orientais (“VOC”), que explorava o Extremo Oriente (Japão, China, Filipinas, Indonésia, etc.), via Cabo da Boa Esperança. Para o início da construção no ano de 1626, do primeiro de uma série de cinco, que receberia o nome de “VASA”, foram cortadas cerca de 1.000 árvores maduras de carvalho, usados no cavername, na superestrutura e nas estátuas que enfeitariam a embarcação, como era costume da época. Outra vez, por decisão do rei Gustavo Adolfo, foi acrescentado mais um convés no casco, para permitir a instalação de mais 32 canhões, o que tornaria o casco bastante “bandoleiro” (com pouca estabilidade transversal), não obstante as dúvidas levantadas pelo mestre do estaleiro real e pelo mestre construtor. Não houve jeito, quem mandava era o rei.
Falece o mestre construtor holandês e assume seu irmão Arendt Hybertson, também experiente, até terminar a construção. Por força da necessidade de o navio apresentar mais paióis para munição, pólvora e mantimentos, o espaço destinado ao lastro de pedras, que garantiria a estabilidade transversal, ficou bastante reduzido, a contragosto dos construtores. Nos testes de estabilidade do navio, bem elementares na época, o mestre do estaleiro fez 30 homens adultos e pesados correrem juntos de um bordo para outro, analisando o comportamento do casco nessa transferência de pesos. Não satisfeito com o resultado aparentemente negativo, na dúvida repetiu o teste outra vez, com o mesmo resultado adverso. Incomodado com o prazo de entrega imposto pelo rei, desistiu de tomar providências para corrigir o defeito do navio, permitindo que fosse feita a cerimônia de entrega da embarcação ao rei.
No dia de sua viagem inaugural, 10 de agosto de 1628, o tempo se apresentava com muito vento, numa ocasião que deveria ser de festa. As portinholas no costado das obras mortas (expostas) do navio, atrás das quais se localizavam os 64 canhões, foram abertas para as salvas habituais de comemoração da efeméride.
O “Vasa” deveria navegar uma distância de cerca de 01 (uma) milha desde o estaleiro até o cais real, quando ocorreu uma lufada de vento mais forte que o normal, adernando (inclinando) o navio além do esperado. Com as portinholas dos canhões já abertas, não existiu qualquer obstáculo para impedir a entrada de água aos borbotões no convés intermediário, drenando para os espaços mais abaixo, alagando o navio por inteiro, fazendo-o tombar e, em consequência, afundar sob os olhares atônitos dos espectadores com todos seus canhões, pólvora, mantimentos e tripulação. Ao rei Gustavo Adolfo II coube ver tudo isso acontecer a seus pés. Nada do navio ficou à mostra, nem para indicar onde estava deitado sob o fundo do porto, até que, em 1956, ou sejam, 328 anos depois, um pesquisador marítimo, Anders Franzen, o encontrou intacto e completo no estuário de Estocolmo. Com ajuda financeira nacional, o “Vasa” foi içado num mutirão e levado a local adequado para sua recuperação e proteção da madeira, encontrando-se hoje em ambiente climatizado e exposto à visitação pública. Cerca de 25.000 objetos, entre utensílios, ferramentas e outros artigos, foram recuperados e também se encontram expostos aos turistas e demais visitantes. “Sic transit gloria mundi”.
Geert J. Prange
Engenheiro Naval