Receber o diagnóstico de autismo envolve uma série de questionamentos dos pais e uma dedicação a mais da família para que a criança receba o acompanhamento médico e terapêutico que precisa para se desenvolver. Os desafios são ainda maiores quando os pais e/ou mães trabalham e precisam adequar a jornada diária aos cuidados dos filhos.
No Brasil, estima-se que existam dois milhões de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Este número não é oficializado, mas o Censo do IBGE colocou pela primeira vez o autismo no radar das estatísticas para que seja possível chegar a esse quantitativo em breve e, assim, mais políticas públicas serem aplicadas em prol destas pessoas e suas famílias. Embora ainda não haja um dado oficial no Brasil, sabe-se que houve mais acesso na avaliação de TEA e, com isso, mais crianças têm recebido o diagnóstico.
Com o laudo médico concluído para o transtorno, muitos pais precisam se dividir entre o trabalho e as terapias com os filhos, como sessões de fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional. No entanto, essa necessidade já foi compreendida pela legislação e servidores públicos federais têm direito a redução de até 50% na jornada de trabalho para poder acompanhar os filhos nos tratamentos.
“Os pais ou responsáveis que são funcionários públicos federais tem assegurada a redução de jornada de até 50%, sem necessidade de compensação ou diminuição dos vencimentos. Alguns Estados e Municípios também têm previsão legal semelhante. O funcionário público deve verificar se há tal previsão na legislação local e quais são os critérios para seu enquadramento”, afirmou a advogada especialista em Direito Médico e à Saúde, Renata Farah.
No entanto, os trabalhadores que atuam na iniciativa privada não têm esse direito e precisam recorrer às empresas para se adaptar a rotina dos filhos. “Infelizmente, não há previsão na lei que assegure a redução de jornada ou tratamento diferenciados aos empregados da iniciativa privada com filhos com autismo ou outras deficiências. A empresa também não é obrigada a dispensar o trabalhador para acompanhar o filho nas terapias. Assim, se houver um acordo entre o empregado e a empresa, flexibilizando a situação da jornada dos responsáveis para acompanhar o tratamento do filho, trata-se de mera liberalidade da empresa”, explicou a advogada.
Direitos previstos na legislação brasileira
No Brasil, os autistas têm direitos garantidos pela legislação como o direito à saúde, à educação, ao trabalho, ao transporte e demais previstos na Lei 13764/2012 (Lei Berenice Piana). Essa lei foi sancionada em 2012 e instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com transtornos do espectro autista.
“No âmbito da educação, podemos citar o direito à matricula em escola de ensino regular, tanto na rede pública quanto privada. A escola tem o dever de adaptar os materiais didáticos e provas para proporcionar a efetiva inclusão do aluno, oferecendo o mesmo conteúdo dos demais alunos para garantia de igualdade de ensino. Nos casos de comprovada necessidade, a escola deve disponibilizar um profissional de apoio para o aluno com TEA, sem custo adicional para os pais. Caso a escola recuse a matrícula do aluno autista, a denúncia deve ser direcionada à Secretaria de Educação”, orientou a advogada Renata Farah.
Na área da saúde, os pacientes autistas têm direito ao atendimento com equipe multidisciplinar, incluindo médico, fisioterapeuta, psicólogo, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional. “Os autistas que têm plano de saúde têm direito à cobertura ilimitada de sessões terapêuticas nas metodologias indicadas pelo médico. No SUS, além de ter direito ao tratamento terapêutico, o autista também tem direito a receber medicamentos que estejam incluídos na lista RENAME”, acrescentou Renata.
Um direito mais restrito, segundo ela, é o benefício do INSS, que se aplica apenas aos autistas cuja renda familiar mensal comprovada seja inferior a ¼ do salário mínimo, por pessoa. “Trata-se do BPC – Benefício de Prestação Continuada de 1 salário mínimo por mês. O requerimento deve ser feito diretamente no INSS pelo telefone 135 ou pelo site www.previdencia.gov.br. Vale lembrar que não há previsão legal de aposentadoria para a pessoa com TEA, esse benefício é apenas para quem contribui com o INSS”, esclareceu a advogada.
A Carteira de identidade do Autista (CIPTEA) prevê prioridade de acesso na tramitação em processos judiciais e administrativos, bem como acesso em filas preferenciais em locais públicos e privados.
Evolução na legislação
Para a advogada, os direitos conquistados pelos autistas e suas famílias, como a redução de jornada de trabalho para servidores públicos federais e o acesso à saúde e à educação, são avanços significativos. “Na última década tivemos uma evolução na legislação específica para pessoas com autismo, o reconhecimento da necessidade de cuidado e tratamento diferenciado, busca garantir a adequação das situações cotidianas, para trazer mais oportunidades, acesso e inclusão para as pessoas com TEA”, disse Renata.
À medida que a legislação avança, a sociedade também tem que estar disposta a conhecer sobre o transtorno e respeitar as diferenças. “A conscientização da sociedade sobre as características da pessoa com TEA certamente é algo importantíssimo para a efetivação de todos os direitos previstos na lei. O conhecimento, o respeito e a empatia de toda a sociedade com a causa, permitirão maior aplicação da lei, com igualdade de tratamento”, finalizou a advogada.