Falar sobre o Dia da Consciência Negra, celebrado na segunda-feira, 20, é também abordar a contribuição do movimento negro na história e cultura do Brasil e de Paranaguá, berço do Paraná, de forma crítica e atual, relembrando assuntos como o racismo e a escravidão, mas também abordando o papel no presente de negros e negras na sociedade parnanguara. Em entrevista à Folha do Litoral News, Gerson Luis Augusto, presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial, e o artista, rapper e líder cultural, Wagner Luiz Peixoto da Silva, o “Wag” reforçaram a importância da data em prol da população negra, que representa 33% do total de habitantes em Paranaguá, sendo no passado, presente e o futuro, essenciais na cultura, na economia e na sociedade, exercendo funções de liderança política e empresarial, algo cada vez mais necessário e que é uma das lutas do movimento.
De acordo com o presidente, uma Aula Magna com o tema “Palmares: uma história de luta e resistência de um povo”, que ocorrerá na segunda-feira, 20, no auditório do Sest/Senat, à partir das 9h, com palestra do Dr. Adegmar José Marques e exposição de trabalhos artísticos das escolas municipais e estaduais sobre o Mês da Consciência Negra. “Esta aula magna vai abordar a história e contribuição do negro na formação do Paraná. A porta de entrada dos negros que chegaram ao Estado foi o litoral, especificamente Paranaguá, e depois com o ciclo do erva-mate eles subiram para o Planalto Central e o interior do Estado. Então, esta aula abordará a nossa história aqui. Paranaguá é uma cidade diferenciada, pois, enquanto muitas cidades apenas estudam a História, nós vivemos a História”, ressalta.
“Cada parede da parte histórica de Paranaguá ouviu o nosso canto e nosso lamento, cada paralelepípedo das ruas históricas de Paranaguá tem um pinguinho ou muito do nosso sangue que foi derramado aqui. Ela é uma cidade diferenciada por causa disso. É uma missão que nós temos de preservar e passar para as gerações futuras a nossa História. Essa é a nossa contribuição: não deixar a nossa História Morrer”, afirma o presidente.
Novembro Negro
Gerson ressaltou que em 1.º de novembro foi iniciada as atividades do Novembro Negro, inicialmente com a produção de um Podcast que será feito mensalmente sobre a comunidade negra. “Nós fizemos um ciclo nas escolas municipais e estaduais, acompanhamos o cumprimento da Lei n.º 10.639 e sua aplicação, falando sobre a obrigatoriedade de se falar nas escolas sobre a história da contribuição do negro, algo que há certo tempos tínhamos dificuldade com alguns professores que não entendiam muito esta questão e faziam por obrigação. Hoje em dia não, já é algo espontâneo, uma coisa que os professores e direção das escolas nos chamam para somar, sendo também uma interação entre o movimento negro e os movimentos estudantis, onde vamos para dentro das escolas, vemos o que está sendo feito, levando um pouco da nossa história, bem como com o pessoal que atua na parte artística”, ressalta, reforçando a importância da inclusão.
“É necessário romper esta questão folclórica de ver o negro como algo datado e quase pré-histórico, vendo a questão da África e da contribuição africana como se fosse algo cristalizado no tempo, tivesse parado e que o negro tivesse parado de contribuir em 1888. Além disso, há a questão estereotipada do negro, antigamente muitas das coisas que chegavam das escolas eram bem absurdas, tinha ‘black face’, recebi fotos em Paranaguá de crianças que colocaram sacos plásticos, sem nenhuma curadoria por parte da direção e professores, hoje já é algo expontâneo, a gente fica muito feliz de ver isso acontecer durante todo o ano”, ressalta Wag, ressaltando que na aula magna na haverá exposição do que vem sendo produzido nas escolas de Paranaguá.
Dia da Consciência Negra
O Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, é a data mais importante para a comunidade negra no Brasil, sendo também celebrado em Paranaguá por meio da Lei Municipal n.º 4.133/2022. “Para nós é muito relevante a data. Não basta que ela seja um feriado, pois a ideia de um feriado é que as pessoas vão para a praia e que está tudo bem, está tudo certo. A gente acaba sabendo muito que cor que predomina em força de trabalho nos feriados, quem está folgando e quem está trabalhando, que, em suma ainda é a população de pele mais escura. É uma data relevante para frear argumentos absurdos de racismo inverso ou de que somos todos iguais, temos que partir de uma premissa que houve uma contribuição negra, que há uma desigualdade no País que possui um recorte racial, a gente precisa problematizar isso e reforçar ações afirmativas”, salienta Wagner Luiz.
“A própria Lei de Cotas, ela vem sendo aperfeiçoada em seus 10 anos de existência, isso ocorreu nesta semana, não criando novos tabus, mas falando da data, tendo essa data que a gente vai resolver, não é deixando de ter ou falar, ou então ter como se a luta tivesse ganha. Não é o suficiente. A abolição não foi o suficiente. Precisamos desta data, sendo feriado ou não, com o Poder Público reconhecendo e ofertando para a gente de fazer eventos nesse sentido, acessando as escolas e a imprensa, algo muito relevante para mudar esta mentalidade”, ressalta Wag.
Avanços
De acordo com o presidente, a luta é importante e anda a passos lentos, sendo que o programa do 20 de Novembro foi criado em 1972 por meio de estudantes do Rio Grande do Sul, celebrando Zumbi dos Palmares, sendo que em 2002 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que criou o Dia da Consciência Negra. “Através desta pauta conseguimos avançar em muitas discussões e vencer muitas batalhas. Por exemplo, neste ano o que temos de concreto e muito mais importante é revogar que a partir de agora não se pode mais identificar uma pessoa e a condenar por reconhecimento facial, algo que achamos absurdo, mas que ainda existe. Também haverá a posse da Bancada Negra na Câmara Federal onde acredito que as mudanças podem passar a acontecer. Temos agora a Bancada Evangélica, da Bala, do Agro e temos também uma bancada de negros defendendo as nossas pautas, onde 80% são mulheres”, afirma Gerson.
Ponto facultativo e ações futuras do Movimento Negro em Paranaguá
“Em relação ao feriado em Paranaguá que era feriado, depois passou para fonto facultativo, nós entendemos o seguinte que muito mais importante hoje do que um feriado, visto que saímos da pandemia e estamos em um período ainda de retomada do movimento de antes da pandemia, sendo muito mais importante as ações afirmativas que o município possa proporcionar do que um feriado”, salienta Gerson, reforçando a necessidade de diálogo e inclusão de microempreendedores junto à Aciap, algo que ocorrerá na próxima semana em reunião entre a Associação e o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial, somando forças, podendo abordar a necessidade de campanhas no comércio contra o racismo. “Somos 33% da população de Paranaguá e temos que começar a discutir isso com os empresários. Falamos tanto de combater o racismo estrutural, vamos fazer também essa discussão com as empresas do Porto e o Porto”, ressalta, destacando a necessidade de esforço conjunto.
O presidente ressalta que o Movimento Negro em Paranaguá é formado por vários grupos, desde grupos de capoeira, religiões de matriz africana, entre outros. “Com relação aos grupos de religiões de matriz africana, eles estão se organizando e fazendo uma confederação parnanguara. Temos mais de 60 casas em Paranaguá, até fiquei abismado com o número de casas. Eles estão se organizando e legalizando a documentação, vão para a rua, vão dar a cara. Queremos saber como podemos contribuir com o turismo religioso em Paranaguá. Nós temos aqui um lugar lindo onde podemos fazer no dia 2 de fevereiro homenagens e Iemanjá, podemos chamar o Estado para fazer isso aqui. Os mesmos direitos que os católicos e evangélicos possuem, o pessoal de religiões de matriz africana também tem esse direito de explorar o turismo religioso”, explica
“Temos o Afroxé que a cada ano está crescendo, sendo que em seu primeiro ano saiu com 500 pessoas, neste ano saímos com 850 pessoas e em 2024 deverá passar de 2,5 mil pessoas, então é isso que queremos, não queremos agredir ou fazer qualquer trabaho de revanchismo, o que a gente quer é poder se expressar da mesma forma que todo mundo se expressa”, ressalta, reforçando o contexto empresarial e comercial e inclusão do negro em Paranaguá. “Somos 33% da população de Paranaguá. São pessoas que vivem, moram, estudam e consomem aqui. Queremos nos sentir incluídos também no contexto empresarial”, ressalta, destacando também a eleição de quatro vereadores negros em Curitiba, bem como uma deputada federal negra e um deputado estadual negro em 2022 no Paraná. “Estamos torcendo para que isso aconteça em Paranaguá também, se bem que aqui já tivemos vereadores negros como Nilton Abel de Lima, Ailton dos Santos, Charrão, Edson Augusto Pai e Edson Augusto Filho, o próprio Ratinho, e agora o que queremos fazer é continuar se sentindo representando com negros que realmente entendam e lutem pela pauta”, finaliza Gerson Luis Augusto.