A campanha Setembro Amarelo, mês dedicado a saúde mental, é uma chance que profissionais que lidam com o tema ampliarem o debate na sociedade, assim como da sociedade entender mais sobre os transtornos que causam tanto sofrimento.
Dados de abril deste ano levantados pela Pesquisa Vigitel, indicaram um aumento na incidência de casos de depressão. Em média, 11,3% dos brasileiros relataram ter recebido um diagnóstico médico de ansiedade ou depressão em 2021. A frequência foi maior entre as mulheres (14,7%) em comparação com os homens (7,3%).
O psicólogo Pedro Braga Carneiro, conselheiro e coordenador da comissão de Comunicação Social do Conselho Regional de Psicologia (CRP-PR), afirmou que o mais urgente neste momento é entender porque o modo de vida da população tem sido tão prejudicial em relação à saúde mental.
“Temos vivido um contexto de grande dificuldade para a reprodução material da vida, com a desregulamentação do trabalho, o alto custo de vida, inúmeras violências e opressões nas relações sociais, a precariedade na oferta de serviços públicos fundamentais para grande parte da população. Então mais do que informação para ações individuais, precisamos compreender os impactos destes fatores estruturais para a saúde mental e qualidade de vida das pessoas, para reivindicamos um modo de vida que seja de fato mais saudável e sustentável”, analisou Pedro, que também é especialista em psicologia social e professor universitário.
A pandemia de Covid-19 e todos os seus efeitos também podem ter influenciado nesse aumento dos índices. “Os impactos da pandemia são geracionais e ainda vamos levar um tempo para conseguirmos dimensionar o tamanho dos prejuízos em várias esferas da nossa vida. Ainda vivemos muitos lutos mal elaborados, além de uma série de questões socioeconômicas, que influenciam na nossa qualidade de vida, e os impactos de quase dois anos de severas perdas e restrições. Foi um período muito extenso de ansiedades, medos, dores e privações, que certamente trazem prejuízos de longo prazo no nosso bem-estar, nos hábitos e relações”, observou Pedro.
O sofrimento mental, segundo o especialista, é decorrente do modo de vida, dos acessos a direitos básicos e das possibilidades de convivência.
“Vivemos um contexto de extrema desigualdade, com falta de acessos básicos a grande parte da população, e já está mais do que comprovado o quanto estes fatores sociais impactam na nossa saúde mental. Além disso, somos atravessados por uma série de violências estruturais como o racismo, o machismo, a lgbtfobia, o capacitismo, tão presentes em nossa sociedade, que também se constituem como fatores extremamente deletérios da saúde mental de indivíduos e coletivos”, afirmou Pedro.
Nos últimos anos, a vida on-line ganhou um patamar de destaque, substituindo atividades de lazer e encontros. Mas, para o psicólogo, esse fator só faz parte de um problema ainda maior. “O excesso de redes sociais, de fato, somos um dos países em que mais tempo se dedica a essas plataformas no mundo, é consequência de uma vida repleta de privações de possibilidades de lazer, de entretenimento, de atividades artísticas, culturais e esportivas, e não pode ser tomada como causa, sob risco de culpabilizarmos individualmente os sujeitos por um adoecimento que é estrutural”, acredita Pedro.
Deste modo, para ele, a esperança por dias melhores pode estar justamente na reivindicação de um modelo de vida mais saudável, pautado na eliminação das violências, na superação das desigualdades e na promoção de qualidade de vida. “Nesse sentido, o encontro, a possibilidade de trocas, da construção e manutenção de redes de afeto e suporte social podem ser importantes estratégias para a promoção de saúde mental”, disse o psicólogo.
Apoio e solidariedade
O Setembro Amarelo também reforça a necessidade de prevenção ao suicídio. Segundo o psicólogo, a principal ferramenta para prevenir os casos é tentar estabelecer relações de afeto, de apoio e de colaboração com as pessoas.
“Para que essas pessoas que convivem conosco saibam que podem contar com nossa escuta e solidariedade em momentos mais duros. Além disso, é importante que saibamos que não há nada de vexatório em se precisar de serviços de saúde mental, como a psicoterapia. Mas, acredito que esse estigma já está sendo superado, o problema de fato tem sido as condições de acesso de grande parte da população a esse serviço que é tão escasso nas redes públicas”, orientou Pedro.