O Dia da Consciência Negra, que ocorre em 20 de novembro, é uma data celebrada no Brasil que reforça a importância da população negra para a formação cultural, histórica e geográfica do País, contando com reflexos diretos no que somos hoje como sociedade no Paraná e em Paranaguá. Wagner Luíz Peixoto da Silva, o “Wag”, rapper, DJ, educador social e ativista cultural, destacou a importância do dia, que é feriado nacional, explicando que a data é também de recuperação da ancestralidade e memória do povo negro brasileiro, paranaense e parnanguara, reforçando a importância do enfrentamento ao racismo como algo contínuo, sempre com foco na justiça social e no reconhecimento da pluralidade , sendo um chamado para toda a sociedade parnanguara e do sul do Brasil em reconhecer a contribuição negra para formação da economia, cultura e identidade local.
“Essa data é muito importante, pois recupera nossa ancestralidade, a nossa memória e também nos convida a lançar um olhar sobre o futuro. Nos convida para que pensemos juntos, enquanto sociedade brasileira, quais as razões para que negros e negras ainda tenham pouca margem de atuação política e sigam ocupando posições muito semelhantes a que nossos ancestrais ocuparam no século XX. Mesmo com a Constituição Cidadã de 1988, a cidadania plena ainda não alcançou à todos os brasileiros, mas quando observamos os dados estatísticos acerca dos empregos precarizados, baixo acesso à direitos já universalizados, encarceramento e violência, principalmente contra a mulher, não é preciso ser um cientista social para identificar o tom de pele que infelizmente tem a maior representação numérica nesses índices”, afirma Wag.
Paraná
Segundo o ativista social, “a data é um chamado para que Paranaguá, assim como as cidades do Sul do país, reconheça a contribuição negra para a formação da nossa economia, cultura e identidade”, completa. Segundo ele, o chamado “Movimento Paranista”, acabou por “invisibilizar a presença negra no nosso estado e apagar a nossa contribuição para a formação do nosso povo”. “Esse movimento foi muito bem sucedido no intuito de fazer com que o Paraná fosse um ‘copia e cola’ da Europa no sul do país e alguns prefeitos até hoje se orgulham disso, vendem isso em suas peças publicitárias. Esse movimento cuidou do processo de apagamento histórico da população na formação do Paraná e que infelizmente ainda está em curso no nosso estado”, frisa.
“Contudo, há movimentos organizados, políticos e culturais, que estão resgatando essa memória do povo negro aqui. Adoro como as pessoas se impressionam quando falo que há 38 comunidades que se autodeclaram quilombolas no nosso estado”, afirma Wag.
Paranaguá
“Paranaguá teve uma enorme contribuição no movimento abolicionista, conseguimos fazer por muitos anos um dos melhores carnavais do sul do país, a capoeira enquanto Patrimônio da Humanidade é uma força presente no nosso território, sem contar os inúmeros terreiros que, mesmo sob o risco da intolerância religiosa que também é permeada pela discriminação racial, cuidaram de preservar os dialetos, os ritos, os ritmos, a gastronomia e as terapias alternativas de cura no manejo das plantas, deixadas pelos nossos ancestrais”, ressalta Wagner.
Segundo o educador social, atualmente, na cultura parnanguara, “estamos obtendo êxito, tendo uma maior participação nas políticas públicas culturais da cidade, mas brinco que isso foi fruto de uma terapia coletiva, ou seja, tivemos que nos olhar no espelho, uma espécie de anamnese”, acrescenta. “Tivemos que reconhecer que o que fazíamos era resistência, mas também era arte e cultura. Temos hoje o Festival Afro Latino Tereza de Benguela que é parte dessa luta e reconhecimento, o próprio resgate dos desfiles das Escolas de Samba passa por isso, queremos uma maior participação da capoeira nos eventos culturais da cidade, bem como um maior protagonismo do hip hop”, ressalta Wag.
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Enfrentamento ao racismo
Uma das características do Brasil aponta por Wag é uma formação peculiar, tanto pelo processo de miscigenação, que ocorreu em um primeiro momento fruto de uma violência, assim como pelo fato de o país ser um dos últimos no mundo a abolir a escravização do povo negro. “Contudo, o nosso projeto de país se orgulho dessa almagama étnica, das nossas diferenças, mas a reverência aos ícones negros se limita apenas ao esporte e ao campo cultural. Em outras expressões da sociedade, a contribuição negra nem mesmo é reconhecida, isso não significa que ela não existiu, temos como exemplo os irmãos Rebouças na construção da Estrada de Ferro”, aponta.
“Digo isso, chamando a atenção para um ponto importante que pode contribuir para a diminuição do racismo, que é a presença negra nos espaços de poder. O nosso judiciário, a imprensa e os legisladores estão muito longe de representar proporcionalmente a etnia do povo brasileiro. Essa mudança de mentalidade, que não vê essa luta como reparação histórica, mas como revitimização, deve passar pelos meios de comunicação e pelo currículo escolar”, afirma o líder cultural.
Hip hop
Uma das formas culturais que representa a presença negra na música, arte e dança é a cultura hip hop, um movimento que conta com diversas pessoas que produzem e incentivam este contexto em Paranaguá. “Em Paranaguá, entre as pessoas que produzem a cultura hip hop temos um número equilibrado entre negros e brancos, mas nossa negritude enquanto reafirmação é sempre reivindicada. Hoje, embora o rap seja mais socialmente aceito do ponto de vista comercial, basta que um jovem branco faça o exercício de se apresentar como alguém que faz rap, que ele sentirá por alguns segundos, pelos olhares de reprovação que recebe, os desafios de se afirmar uma como alguém associado a cultura negra”, afirma Wag.
“Há um preconceito que é estético, que limita a nossa atuação, mas ainda, sinto que cada vez que reivindicamos a negritude enquanto a pedra fundamental do hip hop, mais nós avançamos, por que temos bagagem e nos sentimos menos sós nessa busca em romper com o senso comum”, ressalta o rapper.
Importância do Dia da Consciência Negra para todos e todas
“É impossível a gente pensar o Brasil que queremos, apontando para o futuro, sem considerar o quanto a população negra contribuiu e ainda pode contribuir para a nossa sociedade. Não se trata de revanchismo, mas de reparação histórica. É muito comum ouvir de algumas pessoas a seguinte frase: ‘eu não escravizei ninguém’. Entendo esse ponto, mas eu convido essas mesmas pessoas a olharem o seu entorno e perceberem o quanto elas seguem sendo beneficiadas por um sistema excludente”, ressalta Wag.
Segundo ele, este pensamento é “longe de uma revitimização, mas as políticas afirmativas, como as cotas raciais se fazem necessárias, em um país em que estimulou a imigração européia no século XX, doando terras, favorecendo a agricultura e a inserção nos centros urbanos que se formavam, mas que deixou negros e negras às margens da sociedade nesse mesmo período se acomodando nas periferias e favelas, sujeitas a ocupações de trabalho tão precárias quanto as que tinha no período da escravidão”, acrescenta.
“Hoje, penso que a justiça social deveria ser a meta principal a ser perseguida. Onde há justiça, todos ganham, negros, indígenas, brancos. O Brasil é diverso e esse é o seu trunfo em contraponto a movimentos anti-imigratórios ao redor do globo. Quanto antes reconhecermos essa pluralidade e prestigiá-la, nós enquanto nação poderemos dar grandes lições à humanidade”, finaliza Wagner Luíz Peixoto da Silva.