“Abre-te” é a palavra que ressoará neste domingo em nossas comunidades. Reunidos, ouviremos o Evangelho da cura da pessoa surda, que falava com dificuldade: Marcos 7,31-37. Jesus ultrapassa as fronteiras, alarga sua missão, incluindo os estrangeiros e não somente os judeus, atravessando a região da Decápole. Ele mostra que o amor de Deus, sua ação misericordiosa, é para todos, sem discriminação. Entram em cena as pessoas da cidade que, não indiferentes à realidade daquela pessoa surda, a levam até Jesus, pedindo-lhe que a curasse. Jesus, então, tomou-a à parte e, longe da multidão, ocultou-se dos olhares curiosos e de quem tinha expectativas de uma cura espetacular. (Quanto bem faria às pessoas caso essa práxis de Jesus continuasse a ser aplicada em nossos dias!) E a cura se realizou, valorizando em tudo a linguagem humana, no contexto de um encontro pessoal: o toque dos dedos no ouvido, a saliva na língua e o olhar para o céu, seguidos de uma palavra que suscitou aceitação: “Abre-te”. E a pessoa, abriu-se ao Senhor Jesus, escutou a sua voz e teve sua vida transformada. Certamente não podemos aplicar a esta pessoa o ditado popular: “o pior surdo é aquele que não quer ouvir”; ele quis e, por isso, ouviu.
Tal passagem bíblica pode indicar tanto um itinerário de fé como um modo de vida, ou seja, ouvir bem para falar com facilidade. Um bom e frutuoso diálogo se fundamente, pois, na escuta sincera. Podemos recordar o que São Bento propôs na Regra, escrita aos monges, no séc. 6º, e que não perdeu sua atualidade: “Escuta, filho, os preceitos do Mestre e inclina o ouvido do teu coração” (Prólogo). E isso nos desafia: abertura pessoal para desenvolver nossa capacidade de ouvir e, assim, superar preconceitos e convicções contrárias ao Evangelho – ou seja, contrárias às pessoas, sua dignidade –, reconhecendo os valores das tantas diferenças, tradições culturas e ideologias presentes em nossa sociedade. Inclinar o ouvido do coração para o diferente é, certamente, abrir espaços de respeito, tolerância e compreensão, atitudes tantas vezes esquecidas por nós mesmos, sem necessidade de olhar como agem as outras pessoas ao nosso redor.
Ouvir claramente e falar ou, se necessário, gritar neste Dia da Pátria. Gritar por “participação popular, saúde, comida, moradia, trabalho e renda”. Os sofredores gritam, pois querem viver com respeito e dignidade. Mas, os que devem ocupar-se em promover o bem de toda a nação – governantes, deputados e senadores, juízes – abrirão o ouvido de seus corações para acolher o clamor dos que mais padecem?
Sonho com pessoas que acolham o “Abre-te” e, de fato, abertas, procuram vencer o egoísmo que afasta uns dos outros, saem da tristeza do isolamento, valorizam as redes sociais e redescobrem a beleza da amizade verdadeira, feita de pequenos gestos de solidariedade, isto é, de amor concreto para com as pessoas, em suas mais diferentes situações de isolamento e solidão. Mostrar-se próximo sempre será a atitude fundamental, ainda que ressignificada em tempo de pandemia.