A devoção a Nossa Senhora do Rocio é uma tradição que atravessou séculos. Junto à devoção se construiu, ao longo do tempo, a festa à padroeira, a qual se transformou ao longo do tempo, sem, contudo, perder a sua essência. Nesta semana, transcrevemos o texto de Aníbal Ribeiro Filho, que com belas palavras representou como era a festa do Rocio, na época de sua juventude.
A festa do Rocio era o acontecimento máximo do ano, Dois meses antes, as conversas e as atividades giravam em torno da festa. A vida na cidade ganhava movimento e o comércio de fazendas e armarinhos caprichava nas encomendas que fazia, para atender às exigências dos fregueses. Sim, porque ninguém que se prezasse naquela época, iria ao Rocio sem exibir nova roupagem da cabeça aos pés. Para as senhoras e as moças o chapéu era obrigatório. Chapéus imensos, de palha estrangeira, de fazendas caras, cheios de laços de veludo, de plumas e flores, presas aos cabelos com grande e vistosos grampos ornamentais.
Nas casas das famílias de classe média, era grande a azafama no preparo de quitandas e doces para serem vendidos durante os dias de novena no Rocio. Tinham as broinhas de polvilho, os sequilhos acondicionados em cestinhos feitos com tiras de papel colorido e que custavam um tostão. Os enormes pés de moleques, as cocadas brancas, as aranhas de coco, as balas de ovo, de mel e as famosas balas de canela feitas por Mariquinha e Carolina Correa (irmãs de Iria Correa) constituíam a tentação e a delícia dos meninos dessa época. Para mitigar o calor e a sede, instalavam-se dezenas de moendas de cana que serviam a espumosa garapa doce ou “quira” azeda. Para o desespero dos pais eram vendidas as frutas da estação, os cachos de tucum, as jabuticabas pretinhas e esverdeadas, que enchiam de manchas e de nódoas as roupas novas de seus filhos. Depois do almoço, começava o êxodo dos que iam a pé para o Rocio. O caminho do Rocio, que começava junto ao Colégio São José e, a Estrada do Correia Velho, assemelhavam-se a uma carreira de formigas, pois era enorme a uma multidão que por eles caminhavam. Caminhos de areia, sombreados por árvores seculares parecendo um enorme túnel de folhagem. As famílias de posses iam de lancha ou a cavalo, no entanto, a grande maioria do transporte era feito pelos bondinhos de burro ou pelo trenzinho com a máquina a vapor que corria “temerariamente” 3 km por hora. Chegando ao Santuário, todo grande pátio que o circunda encontrava-se cheios de devotos e romeiros aguardando o início da novena. Num tablado, ao lado da igreja, a banda de música enchia as tardes luminosas com marchas e valsas. No intervalo das músicas, ouvia-se a voz esganiçada dos leiloeiros anunciando as prendas do leilão em benefício da igreja. Um cheiro gostoso invadia os ares quando eles levantavam para mostrar ao povo as bandejas com galinhas recheadas, os leitões assados e enfeitados com rodelas de limão, os pães de ovos, dourados em forma de tranças ou em feitio de “jacaré”, que eu via embevecido e nunca mais saíram da minha memória de menino guloso
Continua…
Fonte: Transcrito e adaptado de: RIBEIRO FILHO, Anibal. Festa do Rocio há meio século. Imparcial. novembro de 1965. (Acervo IHGP).
Priscila Onório Figueira
Historiadora- Diretora de artes plásticas IHGP- biênio 2019-2020
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