Por: Kátia Muniz
Eu devia ter uns oito anos de idade quando um vendedor bateu à porta da casa dos meus pais para oferecer uma coleção de livros com os clássicos infantis: Branca de Neve, Joãozinho e o Pé de Feijão, João e Maria, O Sapo e a Princesa, Polegarzinha, Cachinhos de Ouro, Cinderela e Chapeuzinho Vermelho.
Oito livros produzidos em capa dura, com ilustrações impecáveis, inclusive com foto de capa em 3D, que eram, sem dúvida alguma, um convite à fascinante viagem da fantasia, o que (convenhamos) era algo inusitado para aquela época. O preço, claro, nas alturas! Com prestações que deveriam ser quitadas, mensalmente, por meio de notas promissórias, cobradas também na porta de casa.
Estou falando do século passado, caro leitor, quando ainda era possível confiar que o comprador quitaria com suas obrigações e era admissível atender estranhos no portão de casa.
Meus olhinhos brilharam diante daquela coleção e perderam, imediatamente, o brilho quando minha mãe disse um sonoro “não” ao vendedor. Para minha sorte, o profissional não processou a negativa e voltou, na semana seguinte, para oferecer novamente a coleção. Naquela tenra idade, desconfiei que o investimento financeiro seria alto e que meus pais precisariam fazer um sacrifício para adquiri-la. Por esse motivo, não fiquei pedindo, nem implorando. Mas usei uma ferramenta poderosa: a força do pensamento. Eu desejei tanto aqueles livros, que não teriam outro destino senão nas minhas mãos.
Na terceira tentativa do vendedor, minha mãe se deu por vencida. Os oito livros saltaram para as minhas pequenas mãos e, com a euforia da inocência, abandonei minhas amigas e meus brinquedos para me dedicar exclusivamente a eles. Li, reli e investi longas horas naquelas histórias ilustradas que me causavam um fascínio tremendo. Vivia absorta, mergulhada na fantasia.
Quis plantar feijão e ver se eles cresciam o suficiente para me levar até as nuvens. Morri de medo da bruxa que prendeu João e Maria. Achei Branca de Neve um tanto sem graça. Atormentei a vida da minha mãe porque queria um espelho mágico no meu quarto. Desenvolvi uma predileção pela Cinderela, com aquela história de baile, carruagem dourada, vestido de gala e sapato de cristal. Foi um belo exercício para o meu imaginário fértil.
Fui uma menina cuidadosa, por isso a minha primeira coleção de livros está comigo até hoje. Passaram-se 43 anos e volta e meia ainda faço mergulhos profundos nas páginas que me trazem o cheiro e as lembranças da infância.