Crônicas

Gente difícil

Por: Kátia Muniz Há alguns dias, comprei um desses alimentos embalados a vácuo, cuja pontinha da embalagem possui uma seta indicativa dizendo “abre fácil”. Com unhas afiadas, dediquei-me a essa ...

Kátia Muniz

Kátia Muniz

Por: Kátia Muniz

Há alguns dias, comprei um desses alimentos embalados a vácuo, cuja pontinha da embalagem possui uma seta indicativa dizendo “abre fácil”.

Com unhas afiadas, dediquei-me a essa tarefa. Mas o tal “abre fácil” consumiu alguns minutos do meu tempo, quando não economizei nas tentativas. Revirei a embalagem, usei o polegar e o indicativo da mão direita, depois o da mão esquerda, respirei fundo, contei até dez e, por fim, peguei uma tesoura e a estraçalhei.

Não resisto a uma comparação.

Tem gente que também não “abre fácil”. É propaganda enganosa. A embalagem esconde o conteúdo. Não adianta forçar, não adianta revirar, propor outros meios e formas.

Tem gente que é difícil. Não sabe facilitar a vida. Não se entrega e não se dispõe. Fecha-se, lacra-se, esconde-se.

Coloca no status do WhatsApp a palavra “disponível”, mas nunca está. Experimente ligar para essa pessoa. Você tentará uma, duas, três, cinco vezes. Só ouvirá um “alô” do outro lado da linha se a criatura difícil se dispuser a sair da própria armadura e mostrar-se interessada ao que o telefonema possa render. Caso contrário, ouvirá: ”Deixe o seu recado após o sinal.”. 

Gente difícil não coopera, faz questão de ser do contra ou de ficar em cima do muro, não se envolve, não está nem aí. Não percebe que chama a atenção da pior forma, do jeito mais insignificante.

Os difíceis trazem com eles um cardápio de desculpas, são incapazes de enxergar os próprios erros e se colocam na posição de vítimas com a maior facilidade. Batem no peito e o estufam para dizer: “Sou uma pessoa difícil”.

Para decifrá-los é preciso ter bola de cristal ou jogar as cartas. O que passa na cabecinha dessa gente difícil?

“Sou uma pessoa difícil”. Dou meia-volta volver e vou procurar a minha turma: os fáceis.

Os fáceis não estão embalados a vácuo. Sabem que a vida não deve ser desperdiçada com infantilidades e com dramas baratos. São pessoas que, sem ter medo de serem julgadas como frágeis, mostram os sentimentos. São inteiras, intensas e dizem a que vieram. 

Gente que responde às mensagens, dá retorno, comparece aos compromissos e atende ao telefone. Não procura fazer dos dias um tormento e tem a capacidade de relativizar os dissabores.

Que venham os divertidos, os que descomplicam, os que não exigem de nós doses cavalares de paciência, os que são fáceis por natureza e que batem na mesma sintonia.

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Kátia Muniz

Kátia Muniz é formada em Letras e pós-graduada em Produção de Textos, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (hoje, UNESPAR). Foi colaboradora do Jornal Diário do Comércio por sete anos, com uma coluna quinzenal de crônicas do cotidiano. Nos anos de 2014, 2015 e 2016 foi premiada em concursos literários realizados na cidade de Paranaguá. Em outubro de 2018, foi homenageada pelo Rotary Club de Paranaguá Rocio pela contribuição cultural na criação de crônicas.