Estava assistindo a um show pela tevê e observando aquele mar de pessoas próximas umas às outras, sacudindo os braços no ritmo da música, numa coreografia que não foi ensaiada previamente, mas que funcionava de um jeito bonito e harmônico. Fiquei pensando: “Esse passado tem volta? Seremos, no futuro, capazes de nos juntar a milhares de pessoas no mesmo espaço sem receio de algum contágio?”
Pego os óculos escuros, a bolsa, a chave do carro e a máscara. Ela virou item essencial, acessório passível de combinações com o restante do “look”, peça de roupa estendida no varal, e tudo isso era impensável tempos atrás. Quando necessário, saio às ruas e me irrito com quem mantém a máscara de modo displicente no queixo ou com o nariz à mostra. Se me deparo com alguém sem o acessório, não consigo disfarçar o meu incômodo e evito aproximação. Quem diria que olharíamos para o nosso semelhante com tamanha insegurança?
Daqui para frente, qual será o protocolo para iniciar um namoro? Tudo via on-line, imagino. Acompanharemos o surgimento do “home love”. Cada um na sua casa, protegido diante de uma tela, trabalhando em prol de uma conquista, que deve acontecer sem a presença física, sem beijos, sem sexo. E ainda acreditando que as chamadas em vídeo serão capazes de manter o coração palpitando e os hormônios ordenados. Não haverá convites para ir ao cinema, jantar ou comer uma pizza. Assim, tanto ela não precisará marcar salão para se arrumar quanto ele não terá de tirar o carro da garagem para apanhá-la. Apenas se contentarão com a frase: “Chamo você às 20h30”. Quanto tempo é capaz de durar um entusiasmo alimentado por toques nas teclas?
Viraremos seres antissociais. Não faremos visitas, nem abriremos as portas da nossa casa para receber os amigos e familiares. Nada de churrascos ou comemorações. As moças que completaram ou ainda completarão 15 anos neste ano, precisam lidar com a frustração do cancelamento da festa de aniversário e com tudo que faz parte do sonho. Do mesmo modo, as noivas olham com tristeza para o vestido guardado no armário, com data incerta para adentrarem à igreja.
Nunca imaginei que saberia a cor do sofá da sala do Alok, conheceria a cozinha da Ivete Sangalo, veria a cena sublime de Angélica lavando louças e derrubaria o queixo com a vista fabulosa do apartamento da Flávia Alessandra e Otaviano Costa. Agora, “lives” e fotos abrem a intimidade de espaços, antes reservados ao convívio familiar.
Assim, seguimos apertando o botão do elevador com o cotovelo, aprendemos a usar o olhar para expressar todo tipo de sentimento, carregamos na bolsa um vidrinho de perfume e um tubinho de álcool em gel, enquanto somos gratos por vencermos mais um dia respirando com os próprios pulmões.