Lembro como se fosse neste instante. Paranaguá teve um surto econômico sem precedentes nos anos 50/60 com a exportação do ouro verde, o café. Tinha emprego para todos, no Porto, nos armazéns de café, nas agências marítimas, no comércio. Tivemos dois times disputando o título de campeão de futebol, o Rio Branco e o Seleto. Quando chegava o último dia do ano os bares e lanchonetes superlotavam. Os bares principais ficavam em torno da Praça Fernando Amaro, dentre eles o Estoril, Bar dos Bandidos. O machismo ainda predominava. Enquanto os homens bebiam à vontade pelas ruas, as mulheres preparavam a ceia.
Sem TV, sem celular, o radinho de pilha era o único meio de entretenimento. Ao se aproximar da meia noite todos, ou quase todos, voltavam para suas casas para festejar com a família a virada do ano. Os trabalhadores carregavam a grana nas carteiras e gostavam de exibi-las sobre as mesas. Não existia ainda o cartão, só talão de cheques. Eis o motivo de chamar carteira recheada, aquela que quase nem cabia no bolso de tão cheia de grana. Já existiam as moedas que os adultos separavam para dar aos afilhados e as crianças que lhes desejassem Feliz Ano Novo. Era uma tradição. Então, antes que o foguetório espoucasse anunciando o Ano Novo, o autor estava entre as crianças que saíram pelos bares para cumprimentar os adultos e ganhar uma moedinha. No entanto, aquela virada de ano iria marcar para sempre a minha vida. Estava na Estoril cumprimentando aqueles alegres senhores, quando senti vontade de ir ao banheiro. Arregalei os olhos ao ver uma carteira recheada de dinheiro ao lado do vaso sanitário, Não sabia o que fazer. Pegar? Deixar lá? Num impulso, recolhi a carteira e entreguei ao dono do estabelecimento, que me abraçou e elogiou pelo gesto. E deu um grito lá do balcão: quem perdeu uma carteira? Está criança a achou no banheiro. Logo apareceu um gordão e feitas as identificações a carteira lhe foi entregue. Ato contínuo, aquele senhor pediu a atenção dos frequentadores e disse: Está criança achou minha carteira no banheiro e a devolveu. Não sei se vocês fariam o mesmo. E deu uma gostosa gargalhada. Seguiram se aplausos por todo o recinto. Já estava saindo, mas fui puxado pelo mesmo que me recompensou com algumas cédulas, dizendo: Feliz Ano Novo, piá!
Stalin Grego Venet
Diretor de Patrimônio IHGP
Biênio 2019-2020