Como em todo Brasil, no território caiçara também encontramos manifestações religiosas e culturais invocando este santo do catolicismo, fortemente ligado ao devocionário popular.
São Gonçalo de Amarante nasceu em Arriconha, Distrito de Braga, norte de Portugal, no ano de 1187 e sua devoção no Brasil é herança cultural dos nossos colonizadores. De linhagem familiar nobre, concluiu os estudos religiosos e uma vez ordenado, desejou peregrinar aos lugares sagrados em Roma e em Jerusalém, designando um sobrinho, também padre, para os cuidados espirituais da comunidade onde era pároco. Demorou 14 anos para retornar, tempo o suficiente para ter seu cargo e seus bens usurpados pelo próprio sobrinho que espalhara a falsa notícia de seu falecimento. Evitando intriga, parte pregando o Evangelho, fazendo parada na região do Rio Tâmega, hoje Amarante, no Distrito de Porto, naquele mesmo país, onde começou sua penitência, orações e pregações e ali inicia a construção de uma capela e junto desta, uma ponte sobre aquele rio, possibilitando a travessia segura da população e resolvendo problemas de inundações no povoado – por isso o invocam contra tempestades e enchentes; também é invocado como casamenteiro.
Conta-se que, preocupado com os problemas que a prostituição causava naquela região, decidiu ocupar o tempo das prostitutas para que não prosseguissem seu ofício. Aos sábados, com trajes femininos e pregos dentro dos sapatos como forma de penitência, passava a noite a tocar viola para que dançassem, almejando assim convertê-las e uma vez cansadas, deixavam de se prostituir no domingo. É muito cultuado em Portugal como também em várias cidades no Brasil, tendo três processos de beatificação e canonização aberto, porém nunca foi canonizado pela Igreja.
Em seu culto e devoção apresenta-se representado de duas formas: No catolicismo aparece trajando uma túnica branca e capa preta, portando nas mãos uma Bíblia e na outra um cajado; Já no devocionário popular, veste calça azul e blusa verde, capa marrom, chapéu preto, calça botas e sempre carrega uma viola nos braços. No calendário litúrgico religioso e no devocionário popular a data de sua morte – 10 de janeiro de 1262 – é utilizada como de festejos em sua homenagem.
Na tradição caiçara, a devoção a São Gonçalo é representada sob duas maneiras: Enquanto dança e enquanto moda, esta última integrada à outras modas do Fandango Caiçara. A Dança de São Gonçalo configura-se uma ‘paga’ de promessa. Aquele que porventura tenha invocado e recebido por intercessão do santo algum benefício, reúne seus familiares e amigos para a celebração. É montado um altar onde se coloca a imagem do santo e na falta desta, uma mesinha com uma flor branca, para onde os violeiros e cantadores, seguido dos casais dançadores, sempre enfileirados, cavalheiros de um lado e damas de outro, a passos lentos, se dirigem e reverenciam São Gonçalo no altar, retornando ao final da fila. A Dança pode durar horas quando não a noite inteira, seguindo a cantoria e com determinadas marcações na coreografia, por exemplo, nunca dão as costas ao altar, sempre, portanto, executando a dança de frente para São Gonçalo.
Já no Fandango Caiçara – Patrimônio Imaterial do Brasil – se executa enquanto moda valseada, ou seja, trata-se de mais uma moda, como outras tantas que serão cantadas durante a função, porém, geralmente também ocorre como “paga” de promessa. Em épocas de plantio ou colheita, quando se reunia toda a vizinhança para o trabalho, o dono do mutirão recorria a intercessão de São Gonçalo para que a chuva desse uma trégua e não comprometesse o dia de trabalho na roça. Uma vez amanhecendo de sol e o trabalho na roça sendo concluído, o dono do mutirão oferecia sua casa como ‘paga’ pelo dia de trabalho e ali faziam o Fandango Caiçara, sendo a primeira moda dançada em homenagem a São Gonçalo, onde o dono da casa e sua esposa, ainda com as vestimentas com que trabalharam na roça, valseavam ao redor do salão, ao toque da viola, da rabeca e do adufe, atento aos versos que homenageiam o santo.
Na Dança de São Gonçalo, assim como na Romaria do Divino Espírito Santo, a viola é tocada de modo “sagrado”, estando o violeiro tão somente de pé; alguns violeiros ainda amarram uma fita branca no braço da viola quando vão tocar a moda de São Gonçalo, outros, oferecem seu instrumento ao padroeiro pedindo sua proteção, outros ainda, mesmo não tendo “paga de promessa” sempre cantam a primeira moda ou apenas saúdam o santo protetor. Viva São Gonçalo de Amarante.
“SÃO GONÇALO ME AJUDE ENQUANTO EU ESTIVER CANTANDO AJUDE MEUS CAMARADAS E O POVO QUE TÁ DANÇANDO”