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Entrevista

Promotora de Justiça fala sobre a necessidade de ‘desmistificação’ da adoção

Promotora de Justiça Fernanda Nagl Garcez, do Ministério Público do Paraná, atua na Vara da Infância e Juventude de Curitiba (Foto: Divulgação MPPR)

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No Paraná, há 493 crianças disponíveis no Cadastro Nacional

No dia 25 de maio, é celebrado o Dia Nacional da Adoção. Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, existem hoje, no Brasil, 45.992 pretendentes a pais e mães. No Paraná, são 3.639 pessoas nessa situação, aguardando para adotar. Na outra ponta, há 5.031 crianças e adolescentes disponíveis para adoção no País, e 493 no Paraná. Com tanta gente querendo adotar e tantas crianças e adolescentes aptas, por que essa conta não fecha?

A promotora de Justiça Fernanda Nagl Garcez, do Ministério Público do Paraná, a qual atua na Vara da Infância e Juventude de Curitiba, fala sobre a situação no Paraná e em todo o Brasil. Ela também trata da importância de se desconstruir alguns mitos relacionados à adoção e explica qual o trâmite para as pessoas interessadas em adotar. Confira:

Por que há tantas pessoas dispostas a adotar muito mais do que crianças à espera da ação, mas a fila nunca se acerta?

Dra. Fernanda Garcez: A fila não se acerta sob a perspectiva do interesse de quem quer adotar. Mas a adoção serve para encontrar uma família para uma criança e não encontrar uma criança para quem quer filhos. Como a imensa maioria das pessoas que se cadastram e se candidatam para adotar quer geralmente bebês do sexo feminino, de pele branca e saudável, e essa quantidade de crianças é muito pequena, eles acabam tendo que esperar. A imensa maioria das crianças e adolescentes que precisam de uma família e estão prontas para adoção tem mais de sete anos, ou tem problemas de saúde ou são crianças negras e que aguardam até hoje uma adoção.

Na prática, o que é possível falar sobre a possibilidade da relação de sucesso dos pais com os filhos adotivos, inclusive com crianças mais velhas? Há dados que indiquem que determinada idade vai haver melhor adaptação?

Dra. Fernanda Garcez: Não. Isso é apenas mito. Porque o sucesso e a felicidade numa relação materno-filial, paterno-filial leva em consideração vários fatores, como na filiação biológica. O grande fator que move isso é o verdadeiro amor, o lugar que aquela criança vai ter dentro do coração e da mente da pessoa que a adotar. As possibilidades de quaisquer entraves sempre existirão. Agora esse medo e o fantasma da origem biológica da criança e do adolescente serve muitas vezes para mascarar a própria insegurança das pessoas que pretendem adotar. Por isso que desde 2009, uma das exigências para adoção é um curso de preparação jurídica e biopsicossocial em que todos os aspectos são discutidos para que a pessoa que queira adotar tenha um tempo dessa reflexão a respeito dessas nuances para desmistificar a adoção, que busca encontrar uma família para uma criança.

No seu dia a dia de trabalho, o que a senhora vê como ideias falsas sobre esses mitos de adoção que devem ser desconstruídos?

Dra. Fernanda Garcez: O primeiro mito é o medo do uso de drogas ou álcool pelos pais biológicos da criança. Cientificamente, a possibilidade de influência disso no desenvolvimento da criança é muito pequena se considerar todos os fatores ambientais e como essa criança ou adolescente vai ser criado. Esse medo é muito grande levando, muitas vezes, os pais a se assustarem. Um grande medo das pessoas e também não cientificamente fundado é dos pais biológicos serem portadores de doenças mentais. O que vai definir na vida da criança e do adolescente é o amor, os fatores ambientais e como a criança vai se definir naquela família. Há inúmeros casos de adoções tardias de crianças cujo histórico dos pais é de doenças supostamente graves e mesmo assim as crianças se adaptaram e são verdadeiros filhos com todas as alegrias e sofrimentos que os pais e os filhos têm.

Como funciona, na prática, o processo de adoção? Quais as exigências?

Dra. Fernanda Garcez: Todas as pessoas maiores de 18 anos podem procurar as Varas da Infância e da Juventude da Comarca onde moram e requerer a sua inscrição no cadastro. Essa pessoa vai ter que apresentar uma série de documentos, como comprovante de residência, um atestado sobre a sua saúde física e mental, a certidão dos seus antecedentes criminais e qual foi o seu passado. Uma forma de se analisar qual a idoneidade e qual tipo de ambiente familiar essa pessoa pode oferecer. Essa pessoa vai passar também por uma entrevista técnica para avaliação psicológica a respeito das suas intenções, expectativas na adoção e vai se submeter a um curso preparatório oferecido pelas Varas da Infância e da Juventude, que geralmente duram de duas a três semanas. Este curso é bastante interessante, estimulante e as pessoas que se habilitam ficam bastante empolgadas pela desmistificação. À medida que o tempo passa, conseguem abrir o seu coração para aquelas crianças e adolescentes que precisam de uma família. Esses cursos, a partir de 2009, aumentaram as colocações de crianças mais velhas em famílias adotivas com um sucesso muito grande. Os cursos não são burocráticos, são práticos, dinâmicos, de pessoas para pessoas e, inclusive, com muita emoção.

Há uma diferença de idade mínima exigida entre quem adota e a criança adotada?

Dra. Fernanda Garcez: A idade mínima entre o adotante e o filho a ser adotado é de 16 anos de idade. Portanto, as pessoas mais velhas têm um leque muito maior para adotar, do que os mais jovens. Isso é por força do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A pessoa pode ser solteira, casada, pode ser um casal heteroafetivo ou homoafetivo?

Dra. Fernanda Garcez: Tanto faz. Pode ser um casal, uma pessoa solteira, viúva, divorciada, independente da sua orientação política, sexual e de qualquer raça, independentemente, inclusive estrangeiros, desde que morem no Brasil, tenham seu visto de permanência e que pretendam continuar no País.

Quanto às crianças e adolescentes que estão disponíveis para adoção, o que os leva a serem colocados para adoção?

Dra. Fernanda Garcez: O fracasso absoluto da sua família natural. A impossibilidade, o seu pai ou a sua mãe ou apenas a sua mãe se só tiver a mãe praticou atos reiterados que demonstram a impossibilidade de continuar criando os filhos. Desde maus-tratos, negligências, abusos sexuais, deixando a criança e o adolescente sem a criação necessária. Muitas vezes esse processo pode ser demorado porque se busca esgotar todas as alternativas, se busca conceder a esses pais todo o apoio necessário da rede de proteção, todo o tratamento e as alternativas para empoderar aquele pai ou aquela mãe, principalmente as mães, que também são vitimizadas por um histórico grande de negligência e maus-tratos ao longo de sua vida para que possam exercer a maternagem ou paternagem. Dadas essas alternativas, dentro do menor prazo, é que a criança ou adolescente vai ser destituído do seu poder familiar e vai ser entregue para um casal, para uma pessoa que irá adotá-lo dentro da ordem cronológica do cadastro e do perfil pretendido pelo adotante.

Quanto à entrega legal de uma criança para adoção. Uma família pode fazer isso? Como funciona?

Dra. Fernanda Garcez: Pode. É muito melhor que assim o faça do que criar uma criança com negligência ou entregar para terceiros. Inclusive existe hoje uma previsão que se chama Entrega Legal, em que a mãe que deseja entregar o seu filho recém-nascido ou durante a gestação pode procurar qualquer Vara da Infância da Juventude para a entrega do bebê. É direito dela, é um ato de dignidade, inclusive com a garantia do sigilo do nascimento até mesmo para sua família. Para aqueles que não se sentem capazes, é importante que busquem o Conselho Tutelar, o Poder Judiciário para obter ajuda do que largar pelas ruas, com terceiros desconhecidos. Não há punição e não se busca julgamento de valor a esses pais, se busca o necessário para o melhor às crianças.

 

*Com informações do Ministério Público do Paraná.

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