Corria o ano da graça de 1718, quando, aos 8 dias daquele mês de março, o navio veleiro “Le François”, vindo do Chile e carregado de prata destinada à França, percebeu que estava sendo seguido por um outro navio, com uma “cara de poucos amigos”. Desconfiado do intruso e já sabedor da presença de um corsário na costa do Brasil, o capitão do veleiro cargueiro decidiu não arriscar a continuação da viagem e adentrou a baía de Paranaguá, que ele já conhecia de viagens anteriores. Usando sua experiência adquirida, refugiou-se no rio Taguaré, hoje chamado de “Itiberê”, fundeando perto do local hoje conhecido como “Praça do Guincho”, esperando que o corsário desistisse de esperar pela sua saída por falta de víveres e água.
Não adiantou. O corsário francês “Louise” também aportou na baía e fundeou perto da Ilha da Cotinga (“Cootinga = roça de branco!!!) na certeza de capturar sua presa quando essa resolvesse partir.
O povo local, tomado de pavor pela presença do navio corsário que, com seus canhões, poderia destruir a incipiente Vila de Pernagoá, invocou a proteção de Nossa Senhora do Rosário, padroeira do local, contra os esperados atos de destruição do povoado, fazendo rezas e procissões com extrema devoção e fervor.
Como bem sabem os mais antigos parnanguaras, março é um mês de chuvas e ventos fortes, tal como hoje vivenciamos diariamente. Por interferência divina, ou não, certo é que, no dia seguinte (9 de março de 1718), caiu um tremendo “toró” na baía, fazendo o corsário “garrar” (arrastar suas âncoras) e bater na laje semi-submersa que se situa a 100 metros da Ponta da Cruz, extremidade norte da Ilha da Cotinga, afundando em seguida. Conforme relatos da época, poucos tripulantes e alguns escravos, antes capturados, escaparam com vida, integrando-se à comunidade. Os pertences e eventuais riquezas nunca foram encontrados.
No começo da década de 1960, dois pesquisadores da Sociedade Geográfica Brasileira, Fernando G. Bittencourt e Roberto Lordy, possuidores de uma licença da Marinha do Brasil, e com o auxílio do (hoje) Cel. BM(Ref) Acir Bezerra, mergulhador experimentado, lograram resgatar inúmeros objetos do navio pirata, incluindo canhões de ferro fundido e de bronze, utensílios vários, moedas, além de balas, balas e balins para as peças de artilharia do navio. O tesouro, em grande baú lacrado e selado, que se supunha estar em algum compartimento na popa do navio, nunca foi encontrado.
Mais para diante, no ano de 1970, ainda com sua licença de exploração em dia, os dois citados pesquisadores lavraram um contrato de pesquisa do tipo “No cure, no pay” (não fez, não recebe) com a EBEC – Empresa Brasileira Engenharia e Comércio S.A., empresa de dragagem que havia aberto o Canal do Varadouro de Guaraqueçaba (PR) ao Ariri (SP), proprietária da draga de sucção e recalque EBEC-1, que operava em Antonina no aprofundamento daquele porto comercial.
Com o contrato validado nos termos citados, o trabalho da busca sobrou para o escritor deste relato que, na época, era o Engenheiro Residente da EBEC em Paranaguá, em antecipação aos serviços já programados de dragagem e aterro com outras dragas, que viriam a constituir o Corredor de Exportação da Administração Portuária local, obra do Governo Federal.
Com alterações para maiores profundidas de sucção (20m) e modificação do sistema de ancoragem da draga, a EBEC-1 foi posicionada com 5 âncoras entre o “pisca-pisca” da Ponta da Cruz e a ponta da Ilha da Cotinga, usando uma tubulação flutuante de 150m de comprimento para jogar qualquer material dragado numa prainha da própria Ilha. Várias peneiras de malhas diferentes garantiam que nenhuma das peças dragadas, por menor que fosse, seria desprezada. Muito material de bordo foi encontrado, compassos de navegação, um anel de ouro, cachimbos quebrados de porcelana “meerschaum”, munição de mosquetes, e dois enormes canhões de ferro fundido (mais tarde roubados por um navio alemão e devolvidos de Hong Kong, graças à Interpol!). Pedaços enormes do cavername foram tirados por mergulhadores a comprovar que realmente se tratava de um navio de madeira. Tesouro algum foi encontrado e é opinião deste autor que jamais será. O navio pirata continua onde está há 303 anos e dois dias, quebrado em dois pedaços, a cerca de 20 metros de profundidade, e vai continuar lá. É só conferir.
Geert J. Prange – Engenheiro Naval
(11 de março de 2021)
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