A geada ainda cobria boa parte da vegetação quando os biólogos seguiam mata adentro para instalar as armadilhas. Atentos aos sons, movimentos e pistas, eles são como detetives à procura de sinais sobre a vida que pulsa na floresta. Com formatos e finalidades distintas, redes, baldes e caixas são dispostos na expectativa de capturar animais que habitam a Serra do Mar na área rural de São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba.
O trecho escolhido para essa análise fica próximo à BR-277 e é um dos lugares por onde deve passar a Nova Ferroeste. Esta é a terceira campanha de fauna realizada para compor o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do projeto que vai ligar o Mato Grosso do Sul ao Porto de Paranaguá. O trabalho é realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), contratada pelo Governo Estadual para o levantamento e a análise dos dados.
O coordenador do grupo, o biólogo Raphael Santos, reforça a necessidade de estudos como esse durante as quatro estações do ano por causa da mudança de hábito dos animais e da migração de diversas espécies, em especial as aves. “É importante fazer esse controle de comportamento para analisar as oscilações que acontecem nas populações ao longo do ano. Não é uma situação idêntica ao longo dos 12 meses”, disse.
Quando os raios de sol começam a esquentar a floresta são as aves que arriscam os primeiros voos. Aos poucos os passarinhos se enroscam nas redes.
Sobre a estrada de terra os biólogos abriram uma mesa de metal com uns banquinhos de plástico. Ali eles foram pesados, medidos e classificados antes da soltura com uma identificação presa ao corpo. O menor animal do dia foi um beija-flor de apenas 3 gramas.
Os restos de coquinhos de uma palmeira indicam a presença de esquilos. O serelepe, nativo da Mata Atlântica, faz um furo em formato de triângulo na casca até alcançar a polpa. Um monte de fezes repleto de pelos e um caminho largo aberto na floresta são o sinal de que uma anta também circula pelo local. Os biólogos se orientam pelos sons, o contato visual e vestígios como restos de comida e excrementos para indicar a presença dos animais.
Mesmo com a pesquisa de campo, algumas espécies só aparecem para as câmeras. Seis aparelhos foram instalados para quatro dias de análises nos locais estudados. Foi assim que eles registraram o inusitado encontro entre um gambá e um puma adulto. Depois do susto, cada um seguiu seu caminho na noite escura.
“Como tem bastante alimento por aqui, já registramos espécies de gato-do-mato e de puma. Encontramos as pegadas e gravamos imagens em vídeo”, complementou a bióloga Emanuelle Pasa.
CAMPANHA
O grupo de fauna estuda aves, mamíferos (terrestres e voadores), répteis, anfíbios e peixes. Animais que habitam rios, florestas e cavernas. As informações coletadas pelos biólogos estão orientando o desenho do traçado da ferrovia.
A ideia, sempre que possível, é que os trilhos acompanhem o traçado da BR-277 na Serra do Mar. Em alguns pontos, a topografia acidentada vai exigir a construção de túneis e pontes e em outros o contorno de morros para que haja a inclinação necessária para garantir a segurança no transporte das cargas.
“Nós ajustamos o estudo de engenharia aos dados prévios do impacto ambiental. Essas informações nos orientam quanto ao melhor local para passar com os trilhos”, afirmou Luiz Henrique Fagundes, coordenador do Plano Estadual Ferroviário.
“A Serra do Mar é o trecho mais importante de todos, é onde está concentrada a maior riqueza de espécies de todo o traçado da ferrovia. Também é onde está o maior número de espécies ameaçadas e endêmicas por ser a principal área de Mata Atlântica do Paraná”, acrescentou Santos.
Esta foi a primeira parada da campanha de inverno. Agora o grupo segue para Balsa Nova, também na RMC. Cada etapa leva 32 dias e os biólogos estão percorrendo oito pontos do Paraná e do Mato Grosso do Sul.
As aves são os animais encontrados com o maior volume. Um levantamento já indicou 818 espécies nos 1.285 quilômetros da futura ferrovia. Nas duas primeiras campanhas foram encontradas 417 espécies, algumas delas ameaçadas de extinção.
FOTOGRAFIA
O EIA/Rima da Nova Ferroeste vai apresentar uma fotografia da diversidade de fauna, flora, composição do solo. Também são estudadas as comunidades indígenas e quilombolas. O relatório final vai indicar os locais de passagem da fauna para permitir a circulação dos animais e reduzir o risco de atropelamentos. Os biólogos vão avaliar os impactos e descrever de acordo com cada grupo animal, especialmente os ameaçados de extinção.
“O impacto é diferente para cada espécie por usarem ambientes distintos. Quando temos um empreendimento desse porte, afetamos não somente o predador, mas principalmente a presa. Quando tiramos a presa, anulamos a possibilidade desse animal sobreviver aqui”, disse a bióloga Emanuelle Pasa.
Uma alternativa é a construção de passagens embaixo dos trilhos com túneis e manilhas. Uma cerca-guia ajuda a orientar os animais a seguir para esses locais. Para os primatas, gambás e esquilos que vivem na copa das árvores serão construídas estruturas suspensas.
“Foi feito um levantamento de todas as localidades onde essas passagens de fauna são necessárias para que se evite colisões expressivas. Selecionamos os pontos prioritários e nesses lugares são indicados todos os modelos de passa fauna que devem ser instalados. Tudo isso consta no relatório que ainda estamos elaborando”, arrematou Raphael Santos.
Fonte: AEN
Fotos: Mirella Gimenes/Nova Ferroeste