Getulio Rauen, de 30 anos, nascido em 1.º de outubro de 1987, em Curitiba, foi eleito conselheiro tutelar em Paranaguá em 2015, sendo também escolhido democraticamente em 2016 para ser presidente do órgão até 2017. Formado em Administração e cursando Pedagogia, ele possui um histórico dentro dos movimentos sociais e de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT). Chegou a Paranaguá em 2003, onde foi presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Estadual José Bonifácio, do Instituto de Educação Dr. Caetano Munhoz da Rocha, do Centro Estudantil Fernando Amaro (CEFA), da União Municipal dos Estudantes de Paranaguá (UMESP), da Associação de Moradores Vale do Sol e das Associações de Moradores do Estado do Paraná, bem como do Conselho Municipal da Juventude (CMJ). Além da atuação em prol do direito das crianças e dos adolescentes em Paranaguá, Rauen também é coordenador do Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, membro da Associação dos Conselhos Tutelares do Paraná e vice-presidente da Associação de Conselheiros Tutelares e Suplentes de Curitiba, da Região Metropolitana, Litoral e Vale da Ribeira (ACT-LESTE). Confira a entrevista:
Folha do Litoral News: O que foi determinante para o senhor ser conselheiro tutelar em Paranaguá?
Rauen: Ouvir o grito da minoria. Eu fui o voto dentro do Conselho Tutelar em prol das minorias. Quando uma pessoa na condição de vida que eu tenho e com o meu posicionamento é eleita, isso demonstra uma representatividade muito grande dentro da minha comunidade. Há muitas pessoas que têm ódio de mim de graça por causa da minha orientação sexual, por eu fazer parte da comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT) e que ela esteja representada dentro do Conselho Tutelar. É associada erroneamente a pedofilia com o LGBT e hoje, como conselheiro tutelar, eu mostro que a lei é para todos, para o adolescente LGBT, para aquele que é expulso de casa por conta de sua orientação sexual, para a criança e adolescente sofrendo bullying na escola, para o adolescente transexual, enfim, antes isso era tratado de uma forma no Conselho Tutelar, hoje é tratado legalmente, evitando na nossa cidade agressões e mortes, por exemplo, de adolescentes transexuais e travestis nas ruas. O que me levou a ser conselheiro tutelar foi esta revolta com a forma errada como os adolescentes LGBT estavam sendo tratados, além da questão social, visto que morei na periferia, morei na rua e em orfanato, fui criado também pela minha avó. Pedi dinheiro na rua e já comi resto de comida, trabalhei de servente de pedreiro, posições dignas, enfim, isso me fortaleceu e ajudou a criar forças para tentar fazer a diferença na vida das pessoas. Propus entrar no Conselho Tutelar para levantar a bandeira LGBT, com as lutas sociais, o movimento comunitário, tudo isso formando uma bola de neve e nascendo este desejo de ser conselheiro tutelar.
Folha do Litoral News: Como foi para o senhor, além de ser eleito conselheiro tutelar, ter sido também eleito presidente do Conselho Tutelar em Paranaguá?
Rauen: Os conselheiros são eleitos a cada quatro anos e o nosso colegiado se organizou para a cada ano eleger um presidente. Eu poderia me reeleger em 2017, mas não quis, por termos cinco conselheiros e ser justo que todos passem por esta experiência de presidente. Para ser justo, cada um fica um pouco como presidente, o que é uma grande responsabilidade. Agora está a Camila do Rocio Lacerda Correia como presidente. Estamos muito unidos em prol do trabalho. Fico muito feliz pelo reconhecimento dos meus colegas em torno das bandeiras em que eu acredito e na defesa das crianças e dos adolescentes.
Folha do Litoral News: Qual a importância do Conselho Tutelar para a sociedade parnanguara?
Rauen: O Conselho Tutelar tem uma importância extrema por conta de ser um órgão independente, que não deve satisfação ao Executivo, Legislativo e Judiciário, ele não recebe ordens, cumprindo o que determina a Lei Federal 8.069/1990. Com esta independência ele consegue atuar em todos os locais com demandas de crianças e adolescentes. Por exemplo, faltou pediatra na UPA, a gente vai lá e cobra, quando percebemos a necessidade de criação de Leis, cobramos a Câmara, enfim, nós trabalhamos com uma liberdade e poder para agir abertamente. Nenhum outro órgão a nível municipal possui tanto este poder para desenvolver este trabalho. O conselheiro tutelar é importante por ser o olho da sociedade, quem é conselheiro é uma pessoa comum da sociedade que foi eleita por ela. Muita gente fala que o adolescente precisa de correção e não de direitos, na verdade não é por aí, nós percebemos que a todo momento os direitos das crianças e do adolescentes são violados. Ontem fiz uma experiência de ficar uma hora na frente da minha casa e durante o período que fiquei vi adolescentes com garrafa de vinho, outros conduzindo motocicleta ilegalmente, mães agredindo verbalmente ou fisicamente crianças. Em todo momento há violação de direitos: crianças fora de hora na rua, sem alimentação correta, não indo para a escola, enfim, são violações presentes de todos os jeitos e que existem culturalmente dentro das famílias. Não se respeita o diálogo e não se ensina os filhos a percorrerem o caminho correto. O Conselho Tutelar deve mostrar o caminho que a lei determina.
Folha do Litoral News: Quais os avanços obtidos na sua gestão no Conselho Tutelar de Paranaguá?
Rauen: Conseguimos na nossa gestão triplicar o número de atendimentos, sistematizamos o atendimento às escolas municipais criando uma linha direta com professores e pedagogos via WhatsApp, conversando em tempo real com eles e se organizando gradativamente com nossa equipe para atender a todos. Tudo isso tirou um pouco da burocracia e criou mais vínculo das escolas com o Conselho Tutelar. Conseguimos uma nova sede, estagiários e mais funcionários para o órgão, antes tínhamos um funcionário e hoje temos três para atender à demanda. Aumentamos em cinco vezes o número de formação continuada aos conselheiros. Conseguimos nos aproximar da sociedade, do Executivo e do Legislativo, foi uma grande conquista percebermos alguns vereadores focando em seu trabalho o Conselho Tutelar e as crianças e adolescentes. Ampliamos em três vezes o número de fiscalização e de programas. Aumentamos a participação nas comissões conselhos setoriais: FUNDEB, CDMCA, Conselho da Juventude e Conselho de Segurança, SINASI, Comissões de combate ao Trabalho Infantil e de Abuso e Exploração Sexual Infantil, algo que não acontecia.
Folha do Litoral News: Quais as demandas que o Conselho Tutelar possui atualmente em Paranaguá?
Rauen: O que a gente espera é a alteração da nossa Lei Municipal 3.076/2011, algo que já foi encaminhado aos vereadores e solicitado ao prefeito Marcelo Roque, à Câmara e ao CMDCA. Queremos também um aumento salarial, pois hoje o que nós recebemos é o cargo DAS-3 de R$ 1,5 mil com descontos, o que é um absurdo pela nossa quantidade de horas trabalhadas. Queremos também uma estrutura ainda maior e melhor. Temos três salas e três computadores e precisamos de cinco de cada um destes itens. Estou esperançoso que este colegiado vai conseguir mais vitórias. A atual gestão municipal se mostra aberta a atender e ouvir as demandas do Conselho Tutelar. Percebemos que está caminhando, que eles querem resolver dentro da realidade do município.
Folha do Litoral News: A Folha do Litoral News realizou neste ano uma série de reportagens especial sobre o combate à pedofilia. Como o senhor observou este material informativo e a importância dele em prol das crianças e adolescentes de Paranaguá?
Rauen: Esta série de reportagens teve grande repercussão e foi feita com vários órgãos, onde o CDMCA e a própria Secretaria de Assistência Social (Semas) solicitaram informações sobre de onde tiramos as informações de que houve mais de 300 denúncias de casos de pedofilia recentemente em Paranaguá. Aí nós apresentamos as denúncias do disque 100, do disque 181, do SIPIA, via e-mail e telefone do Conselho, do plantão, das escolas de Paranaguá, onde teve uma única unidade de ensino com mais de 60 denúncias de pedofilia. Agora, com o Conselho Tutelar mais próximo da escola e da comunidade, por meio da mídia e de participação ativa, estamos recebendo muito mais denúncias. A reportagem feita pela Folha do Litoral News foi excelente, depois nós recebemos muito mais denúncias em comparação aos anos anteriores, pois agora a comunidade sabe os canais em que pode denunciar a pedofilia sem ser reconhecida, através do sigilo ajudando a salvar uma criança ou um adolescente. Só temos a agradecer. O número de denúncias aumentou e continuamos averiguando, encaminhando à Polícia Civil para que as investigações sejam feitas.
Folha do Litoral News: Por fim, deixamos um espaço aberto para que o senhor fale à sociedade parnanguara e aos conselheiros tutelares a importância do Conselho Tutelar:
Rauen: A comunidade deve entender e ensinar às crianças e aos adolescentes que o Conselho Tutelar é um órgão de proteção e apoio deles e não de punição. As crianças e os adolescentes precisam se sentir protegidos com o Conselho e não com medo. O dia que o seu filho sofrer uma violência ou qualquer tipo de desrespeito ele não vai saber a quem procurar. A criança e o adolescente precisam ver o Conselho como amigo, onde podemos atender a eles de forma protetiva. Os conselheiros tutelares estão do lado dos pais, da família e da população infantojuvenil. O Conselho não vai se meter na educação do pai e da mãe, pelo contrário, ele incentiva os pais a educar os seus filhos, pois é deles a obrigação de educação e não do nosso órgão ou da escola. Aquela história que alguns pais falam de que não podem ensinar porque o Conselho Tutelar vai prendê-los é mentira, os pais não podem jogar nas costas do Conselho Tutelar o papel de ensinar, educar e cuidar, que a lei deixa bem claro que é da família primeiramente, depois da sociedade e do Poder Público. O Conselho Tutelar está junto para prestar todo o apoio e garantir os direitos da criança e do adolescente. Aos conselheiros tutelares, afirmo aqui que somos mais de 30 mil no Brasil e 2,1 mil no Paraná, presentes em todas as cidades, sendo defensores dos direitos das crianças e dos adolescentes continuamente, com olhar atento e protetivo e sempre presentes, trocando o conforto dos nossos lares muitas vezes por irmos em ruas e becos com insegurança para defender as crianças e adolescentes, para erguer a voz em favor daqueles que muitas vezes não podem falar. O conselheiro tutelar é eleito para ouvir e atender pelo apelo de quem tem seu direito ameaçado, zelando pelos direitos das crianças e adolescentes. A todos os conselheiros tutelares, meus parabéns pelo nosso dia que é comemorado neste sábado, 18 de novembro.