Abandonar uma criança recém-nascida é crime, mas entregá-la para a justiça para que a mesma possa ter uma família e receber todos os cuidados que precisa, é legal e autorizada pela justiça. Conhecida na legislação como entrega legal, o tema entrou em discussão na sociedade após o caso da atriz Klara Castanho ser amplamente divulgado. A atriz afirmou, recentemente, ter sido vítima de um estupro, que culminou na gestação de uma criança que foi entregue para adoção.
A decisão da atriz é prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), através do artigo 19-A, incluído em 2017. A mulher pode manifestar o interesse de entregar seu filho para adoção antes ou logo após o nascimento em postos de saúde, hospitais, conselhos tutelares ou qualquer órgão da rede de proteção à infância.
“Trata-se de um mecanismo que procura proteger as crianças e evitar práticas que não são permitidas no Brasil, como aborto fora das hipóteses previstas em lei, abandono de bebês e adoção irregular”, informou o Ministério Público do Paraná (MPPR).
O que diz a lei sobre a entrega legal
A chamada de “Lei da Adoção” consiste na possibilidade de uma gestante ou mãe de entregar seu filho ou recém-nascido para adoção por meio da Justiça da Infância e da Juventude.
Segundo a lei, depois que a mãe manifesta a sua vontade de entregar a criança, “na hipótese de não haver a indicação do genitor e de não existir outro representante da família extensa apto a receber a guarda, a autoridade judiciária competente deverá decretar a extinção do poder familiar e determinar a colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional”, como descrito no Art. 19-A.
Para o juiz Fábio Ribeiro Brandão, a lei precisa se tornar mais conhecida para beneficiar mais pessoas. “Ela representa um grande avanço, pois atende ao melhor interesse da criança e traz benefícios aos pais biológicos e adotivos. Por isso, precisamos divulgá-la”, comentou Brandão.
Segundo o MPPR, uma vez encaminhada a criança para adoção, a pessoa que a entregou voluntariamente não pode mais ter contato e nem obter informações sobre ela. Não poderá também escolher quem irá adotá-la.
“Entretanto, a criança não é encaminhada para uma família qualquer, mas apenas para pessoa ou casal previamente habilitado para fins de adoção na Vara da Infância e Juventude, que já entregou documentos para comprovar sua idoneidade moral, participou de curso de preparação e foi avaliado pelas psicólogas e assistentes sociais do Fórum, tendo sido considerado apto para o exercício de maternidade e paternidade de forma responsável”, explicou o MPPR.
Adoção irregular
A entrega legal previne as adoções irregulares, que são todas aquelas realizadas sem a intervenção do Poder Judiciário, e constituem risco para todos os envolvidos.
“O risco para as crianças e adolescentes adotados de forma irregular é latente, uma vez que as pessoas que os recebem não são acompanhadas pela Vara da Infância e Juventude, não se sabendo em que condições estão vivendo e sendo criados. Há risco para os pais que entregam de forma irregular seus filhos, já que podem ser acionados pela polícia e pelo Poder Judiciário para dar explicações quanto ao ato, uma vez que a entrega foi realizada de forma não oficial, o que gera uma investigação criminal”, informou o MPPR.
Também há grandes riscos para as pessoas que recebem as crianças de forma irregular. Chegando ao conhecimento do Poder Judiciário que há uma adoção realizada desta forma, a criança pode ser encaminhada para acolhimento, não permanecendo com as pessoas que a receberam.
“Quando a entrega envolve pagamento ou promessa de recompensa, a conduta é considerada crime para quem entrega e para quem recebe (artigo 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente), com pena prevista de prisão de um a quatro anos, além de multa. Quem exerce a guarda ilegal de uma criança pode responder criminalmente (artigo 238 do ECA) e ser alvo de busca e apreensão”, destacou o MPPR.
Principais motivos para a entrega legal
De acordo com o MPPR, em geral, as mulheres que optam por entregar legalmente seus filhos para adoção engravidaram por diferentes circunstâncias. Diversos são os motivos que levam uma mãe ou os pais a entregar o filho para adoção e, usualmente, estão presentes de forma conjunta mais de um motivo, sendo os mais comuns:
– Ausência do desejo de ser mãe e/ou pai, de forma absoluta ou em determinado período da vida;
– Mulheres muito jovens que engravidaram em relacionamentos não estáveis;
– Filhos gerados em relação extraconjugal;
– Mães que usam abusivamente drogas (que para cuidarem dos filhos precisam controlar a dependência);
– Vítimas de violência sexual;
– Falta de condições econômicas ou psicológicas para o exercício da maternidade/paternidade;
– Ausência de apoio familiar para criar o filho.
Com informações do MPPR.