Ela é considerada acidente de trabalho se contraída no serviço
Em plena pandemia de Covid-19, com o Brasil sendo um dos epicentros da doença, milhões de cidadãos diariamente se expõem ao vírus em ambientes de trabalho que não respeitam as normas de distanciamento social e higiene ou que não tenham concedido aos seus colaboradores a possibilidade de cumprir jornada via “home office”. Neste sentido, o ordenamento jurídico, na área de Direito e Saúde, ressalta que é possível que o empregado que contrair o novo Coronavírus no desempenho de suas funções pode ter a enfermidade considerada doença ocupacional, sendo que o contágio também pode ser considerado um acidente de trabalho.
Ernesto Emir Kugler Batista Junior, médico com especialidade em Medicina do Trabalho e Oftalmologia e advogado com especialidade em Direito material e processual previdenciário, professor da ABD Const, afirma, nesse sentido, que o ordenamento jurídico é notável em proteger apropriadamente a saúde do trabalhador, algo estipulado na Constituição Federal, na parte em que aborda as regras no ambiente de trabalho em torno de acidentes e doenças decorrentes da função.
“A contaminação com a Covid-19 no ambiente do trabalho e a serviço da empresa é acidente/doença do trabalho, conforme enunciado do artigo 19 da Lei 8.213/1991”, explica o advogado e médico. Ainda de acordo com o jurista, o trabalhador tem direito à indenização por danos morais e materiais, como os custos de tratamento e/ou de eventuais sequelas. “Em caso de morte, poderá haver o pensionamento para os sucessores ou os dependentes legais”, explica.
Durante a pandemia, houve a emissão da Medida Provisória (MP) N.º 927/2020, que em seu artigo 29, afirma que “os casos de contaminação pelo Coronavírus (Covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”, entretanto, diversas ações de inconstitucionalidade (ADIs) fizeram com que o Supremo Tribunal Federal (STF) em abril suspendesse a MP que autorizava empregadores a adotarem medidas excepcionais em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo Coronavírus, inclusive com exclusão do entendimento em Projeto de Lei de Conversão N.º 18/2020 que tramita no Senado.
Constituição
O jurista afirma que a Constituição, no artigo 7.º, afirma que o trabalhador tem direito contínuo de que os riscos que ele corre no ambiente de trabalho sejam reduzidos com normas de saúde, higiene e segurança, sempre com base na ciência. “A questão basilar neste aspecto é que, embora o Direito tutele a ciência e haja conexão costumeira para a verificação entre ato e dano, a dimensão da ciência em si traz a complexidade do rigor metodológico para a verificação e objetivar saber se a doença teve causa no trabalho ou não”, complementa Batista Junior.
De acordo com o médico, o STF decidiu em setembro que é constitucional a responsabilidade objetiva do empregador nesta esfera. “Isso reforça que danos decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva, e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade”, acrescenta.
Segundo o advogado, para que seja considerado acidente de trabalho, a contaminação por Covid-19 deve ser proveniente do exercício da sua atividade, conforme a Lei Federal N.º 8.213/1991. “Portanto, a contaminação ocorrida fora do ambiente de trabalho, no caso da pandemia, quando levada para o interior da fábrica, não constitui acidente de trabalho porque a possível contaminação de outros trabalhadores não decorre do exercício da atividade”, explica.
“Para que a contaminação seja acidente, é preciso que a atividade tenha relação com o agente infeccioso e não que o agente venha de fora da empresa. Este aspecto enfoca a caracterização do acidente de trabalho e do risco profissional”, ressalta. “É preciso atenção porque a interdição de empresa e o afastamento dos empregados podem decorrer de medidas sanitárias de caráter geral e não por conta da atividade do trabalhador. A responsabilidade do trabalhador não ocorre neste caso por conta das condições de trabalho, embora possa surgir violação de regras sanitárias”, completa, ressaltando que nesta situação não há relação causal entre a atividade de auxiliar de produção em frigorífico, por exemplo, e contaminação pela Covid-19.
“Portanto, o acometimento por Covid-19 pode ser equiparado a acidente/doença do trabalho, a depender de avaliação do caso concreto”, diz.
“Nas ações de indenização isto se faz de modo a individualizar cada caso, e através de produção de prova pericial, utilizando-se do correto e rigoroso método científico, este poderá demonstrar que, além da exposição habitual a risco especial, mas que também implicou ao trabalhador ônus a maior do que a população em geral”, salienta.
Em alguns ambientes empregatícios, o colaborador pode demonstrar existência de risco maior nestes locais de contágio pela Covid-19 do que em locais públicos. “O empregador deve oferecer aos que trabalham no mesmo ambiente distanciamento social e higiene, de modo que o resultado a maior de fração de risco atribuível ao trabalho pode acontecer mesmo em ambientes que a higiene/prevenção foi instituída. O STF na decisão sobre a responsabilidade exalta que o risco no ambiente não pode ser maior do que a população em geral”, completa, ressaltando que o caso concreto avaliará os riscos com métodos científicos.
Home office
O advogado afirma que os riscos ao empregador e aos empregados reforçam o home office como alternativa importante durante a pandemia. “A lógica do trabalho remoto demonstra que o empregador não cria o risco, aliás, neste aspecto, foi além da higiene/prevenção e cria outra dimensão, a da precaução e cautela para o trabalhador, de modo que não há como ser responsável por risco que não criou, neste caso de trabalho remoto”, finaliza.