Ciência e Saúde

Médico que atua em Paranaguá conclui segunda missão em território Yanomami

Dr. João Cláudio Campos Pereira relatou suas experiências diante da crise sanitária e humanitária

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Em janeiro deste ano, foi decretada emergência em saúde pública no território Yanomami, diante da necessidade de combate à desassistência sanitária dos povos que residem na região. Crianças e adultos foram encontrados em estado grave de saúde, desnutridos, além de muitos casos de malária. Diante da situação, equipes de saúde de todo o Brasil são convocadas para participar de missões para resgatar e socorrer os povos que ficaram desassistidos e tentar mudar a triste realidade que acomete o território indígena e que impactou todo o País.

O médico Dr. João Cláudio Campos Pereira trabalha há 16 anos em Paranaguá, atuando no Hospital Regional do Litoral (HRL) e no Serviço Móvel de Urgência (Samu), onde está há seis anos na direção técnica. e foi um dos convidados. Ele já participou de duas missões Yanomami, a mais recente concluída neste mês de maio.

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Registro das malocas, que abrigam as famílias no território Foto: Arquivo pessoal

“O convite surgiu através de uma formalização da Força Nacional do SUS, que pertence ao Ministério da Saúde e que, tendo em vista a emergência em saúde pública decretada em janeiro de 2023, profissionais de vários locais do Brasil foram selecionados para atuar no território Yanomami. Foi feita uma seleção entre pessoas que são cadastradas como voluntárias da Força Nacional, aproximadamente 40 mil currículos foram avaliados e entre eles foram selecionados aqueles que fariam a composição da missão Yanomami”, relatou Dr. João Claudio.

A primeira vez que partiu em missão ao território foi em fevereiro, quando passou cerca de 20 dias prestando atendimento no Casai, um centro de atendimento ao indígena, em Boa Vista, Roraima.

“Desta última vez, fui para o território Surucucu, de onde partia para outras malocas para fazer resgates, fiquei com essa parte dos resgates e emergências com atendimentos no hospital de campanha montado na base de Surucucu, que fica a 1h30 de avião de Boa Vista”, explicou o médico.

Povos indígenas da região recebem ajuda humanitária de médicos de todo o País, essa é a equipe que integrou o médico João Cláudio Foto: Arquivo pessoal

Experiências

Para o médico, a grande experiência da missão é exercitar a medicina em áreas remotas, onde há dificuldades de comunicação e de questões que envolvem a cultura dos povos originários. 

“Acabamos trabalhando muito longe da nossa realidade, com falta de recursos, uma dificuldade linguística muito grande, com uma população que não consegue, na maior parte, se comunicar de maneira efetiva. A comunicação gestual também é deficitária por conta de entendimentos culturais serem bastante diferentes. Mas, o mais importante é pensarmos na humanização”, ressaltou o médico.

Diante de uma crise sanitária e humanitária como essa é importante saber respeitar a cultura, de acordo com o médico, e também tentar ajudá-los com o que se tem disponível para realizar os atendimentos. 

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Enfermarias foram montadas para atender os povos indígenas Foto: Arquivo pessoal

“O que aquele povo precisa é de profissionais que respeitem uma cultura diferente, a originalidade daquela população, de pessoas que entendam que é preciso respeitar a floresta, que grande parte de todos os problemas que hoje acometem os indígenas foram levados pelo homem branco, para que a gente entenda que a fome que assola toda aquela população, a desnutrição, as doenças, tudo foi causado por nós. Como experiência do ponto de vista médico, é aprender a trabalhar em situações mais complexas onde não temos, por exemplo, um raio-x, onde os diagnósticos são clínicos, onde nós temos que tentar resgatar muito mais a medicina baseada em exames físicos do que em exames complementares e, sem dúvida, lembrar do respeito ao ser humano que é talvez o mais importante e o que eles mais precisam no atual momento”, acrescentou Dr. João Claudio.

A comunicação durante os atendimentos era facilitada pelos agentes de saúde indígenas que auxiliavam na tradução. “Os costumes são muito diferentes. Os Yanomamis não podem ser chamados pelo nome, é muito difícil sabermos a idade das crianças, muitas delas não têm nome, são chamadas de ‘filho de fulano’, isso faz parte de uma crença deles e a gente tem que respeitar”, relatou o médico.

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Registro dos mantimentos enviados aos povos indígenas Foto: Arquivo pessoal

Realidade que impacta

A realidade encontrada no território indígena é impactante, pela desnutrição da população, tanto de crianças como de adultos.

“Com maior frequência, o que mais impacta é a desnutrição. Crianças morrendo de desnutrição, algo que não estamos acostumados a ver na nossa região, ver as pessoas passando fome. E uma das coisas mais tristes é que em alguns momentos do dia, é claro que nós levávamos alimentos e por mais que agora estejam recebendo cestas básicas, no momento da nossa alimentação, no refeitório, era bastante triste vermos que ficavam diversos indígenas em volta esperando que alguma coisa fosse dada para eles. Mesmo em um local como aquele, era muito triste ter uma certa segregação, que era o fato de comermos uma comida diferente da deles e sermos observados a todo momento quando nos alimentávamos. Sem dúvida, é um povo extremamente solícito, crianças simpáticas, carentes, que ficam no nosso colo o dia todo, que nos acompanham para cima e para baixo. Tudo que a gente precisava eles estavam dispostos a ajudar”, contou Dr. João Cláudio.

Garimpo ilegal

Segundo o médico, a região concentra muitos casos de malária, uma doença infecciosa transmitida para humanos pela picada do mosquito-prego e que ocorre em decorrência do garimpo ilegal. 

“Os garimpos ilegais que levaram doenças como a malária, vimos que há mais concentração de malária em locais de garimpo, porque existem nos garimpos criadouros do mosquito que faz a transmissão da doença”, disse o médico. “Ainda existem garimpos ilegais na região, conflitos armados entre garimpeiros e indígenas, também entre garimpeiros e forças de segurança. Há a possibilidade de ter muitos garimpeiros, talvez mais de 20 mil, e essa saída por completo vai demorar muito tempo se ela for possível. Enquanto houver área ainda dominada pelo garimpo, certamente a fome vai existir, as doenças, e a crise humanitária vai se estender a não ser que realmente a gente consiga acabar com o garimpo ilegal”, completou.

Importância do SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma das grandes conquistas do Brasil, segundo o médico, pela oportunidade de oferecer saúde pública a toda a população. “A gente sabe que existem muitos problemas no SUS, mas se compararmos com outros países, vemos que o SUS é fundamental, é fantástico, por conseguir trazer atendimento para grande parte da nossa população. Especialmente, em áreas isoladas, onde a saúde foi deixada de lado, as pessoas morrem por falta de saúde, mortes evitáveis, por doenças de causas evitáveis e tratáveis. Nós não podemos perder crianças, jovens e mesmo adultos por falta de prevenção e de tratamento. E essa é uma constatação comum em territórios mais afastados”, finalizou o médico.

Confira alguns dos vídeos feitos pelo médico durante a missão:

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Gabriela Perecin

Jornalista graduada pela Fema (Fundação Educacional do Município de Assis/SP), desde 2010. Possui especialização em Comunicação Organizacional pela PUC-PR. Atuou com Assessoria de Comunicação no terceiro setor e em jornal impresso e on-line. Interessada em desenvolver reportagens nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, inclusão, turismo e outros. Tem como foco o jornalismo humanizado.