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Economia

ENTREVISTA: Francisco Sérgio Turra

“Nosso setor fez e faz de tudo para continuar com a marca de não demitir”

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Desde 2014 na presidência da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), maior entidade do setor no mundo, Francisco Sérgio Turra foi deputado federal pelo Rio Grande do Sul, presidente-executivo da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no governo Fernando Henrique Cardoso. Também comandou a Diretoria de Agronegócios da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) e, posteriormente, a Diretoria de Desenvolvimento do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). É formado em Direito e em Comunicação Social, vice-presidente da Associação Latino-Americana de Avicultura. A ABPA é resultado da fusão da União Brasileira de Avicultura (Ubabef) com a Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs). Hoje, a ABPA congrega mais de 130 empresas e entidades dos vários elos da avicultura e da suinocultura do Brasil, responsáveis por uma pauta exportadora superior a US$ 10 bilhões.

 

Como avalia o momento da avicultura e da suinocultura, tanto para o mercado interno quanto para o externo?

Turra: Foi um ano trepidante. Dos últimos nove anos, 2016 tem sido o mais difícil para os dois setores. Temos um mercado externo muito bom, mas recuo do consumo no mercado interno. Para piorar, a alta abrupta do preço dos insumos, principalmente milho e farelo de soja, que subiram acima de qualquer expectativa. Desde janeiro, tivemos um aumento no custo de produção de 31% e sem condições de repassar para o preço final por conta da produção elevada e da existência de estoque. O setor não estava preparado para enfrentar esse desafio. Ainda assim, o desempenho no primeiro semestre, em números, foi bom. Tivemos crescimento de 12% na exportação de carne de aves e de 55% de carne suína. A produção também cresceu para atender ao aumento da demanda. Foram quase 300 mil toneladas a mais do que no passado até a metade do ano só de aves. De suínos foram 100 mil toneladas a mais.

 

O que motivou esse aumento?

Turra: Cada vez mais a carne brasileira é bem vista lá fora, pela sanidade, pela qualidade e pela excelência. Isso faz com que aumente a procura. Os mercados islâmicos estão comprando mais, a Ásia está se abrindo muito. Isso ajudou a compensar a queda no mercado interno causada pela recessão e pelo aumento do desemprego. São mercados que se abrem tanto para a carne "in natura", quanto para cortes especiais, carnes preparadas, resfriadas, congeladas. Para a carne "in natura" de aves, a abertura é permanente no Oriente Médio. Para a China seguem mais garras e asas. Por outro lado, enquanto não se pode falar em carne suína para o Oriente Médio, por questão religiosa, está se abrindo fortemente o mercado asiático para esta carne. China está comprando mais e já ultrapassou a Rússia.

 

O aumento do custo de produção associado à escassez de milho e ao recuo no consumo interno causou suspensão de atividade em empresas do setor?

Turra: É a saída normal. É preciso dar uma freada. Várias empresas anunciaram férias coletivas e redução de turnos para evitar demissões. Nosso setor fez e faz de tudo para continuar com a marca de não demitir. Embora tenha empresas que fecharam. Temos pelo menos quatro casos nos últimos 12 meses, no Paraná e no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso.

 

Quando e como o comportamento do preço do milho deve voltar a patamares normais?

Turra: Ficamos menos competitivos no mercado externo por causa dessa alta. O custo da produção de aves e suínos, como eu disse, subiu 31%. Só o milho teve alta de 100% em algumas praças. Mas já temos alguns sinais de reversão desse preço. A tendência é termos uma safra maior e com o milho indo menos para o porto (exportação) e mais para as empresas, porque os preços lá fora estão muito abaixo dos praticados aqui. Temos autorizada a importação de um milhão de toneladas dos Estados Unidos, além de milho disponível no Paraguai e na Argentina. Resolvido o problema do milho, reduz um pouco o custo de produção. Reduzindo o custo, lá fora e aqui, retomamos a normalidade. Antes do final do ano teremos níveis bem melhores de margem de lucro. Mas agora ainda temos empresas trabalhando no vermelho, tanto para suínos quanto para aves. De qualquer forma, acredito que o encerramento de atividade de algumas empresas ou redução de produção de outras seja algo temporário. Assim que a economia voltar a crescer, volta a atividade. Isso é rápido para o nosso setor. Temos uma capacidade incrível de resposta. E há um dado da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) que precisa ser considerado: eles identificaram que vamos precisar de 23 milhões a mais de proteína animal daqui até 2025 e que o Brasil vai suprir 40% desse volume. Há um caminho muito grande aberto para nós.

 

O produtor também está trabalhando no vermelho?

Turra: O produtor também sofreu muito. É uma comunhão. A cadeia é solidária. Se você não ganha na ponta, também não ganha no meio ou no início. O que nos diferencia no sentido do crescimento é que temos chances, possibilidades incríveis mundo afora, e todos estamos caminhando numa mesma direção.

 

O próximo ano será melhor?

Turra: Eu diria que já no final de 2016 teremos algum alento. O agudo da crise foi o mês de julho. Em agosto, já temos oferta de milho, preço um pouquinho mais palatável e já se percebe um clima melhor na economia interna. Além disso, o segundo semestre sempre é melhor para o mercado de carnes, tanto no Brasil quanto lá fora.

 

Na ocasião da Copa de 2014, a ABPA alertou para os riscos da entrada de alimentos de outros países para a sanidade animal do Brasil. O mesmo aconteceu agora, com as Olimpíadas?

Turra: Trabalhamos muito com a informação e com as mesmas recomendações, envolvendo toda a cadeia produtiva e órgãos relacionados. Pedimos uma vigilância maior nas fronteiras, portos e aeroportos. Aos produtores e às agroindústrias, orientamos para redobrar o cuidado e não permitir a entrada de pessoas estranhas. Nossa maior preocupação é a gripe aviária, que está acontecendo em várias partes do mundo. Como muitas delegações trazem seus próprios alimentos, o Brasil deve redobrar a fiscalização.

 

A ABPA nasceu com a meta de conquistar, até 2020, 80 mercados para carnes suínas e 170 para carnes de aves produzidas no Brasil. Isso deve se cumprir?

Turra: Crescemos muito. No mercado de suínos estamos para abrir os mercados da Coreia, África do Sul, México e vários outros mercados latino-americanos. Para aves, Indonésia, mercados da América Central entre outros. Para ambos os tipos de carne temos metas e possibilidades de crescer nas exportações. Principalmente no surpreendente mercado que chegou para nós, que é a China. Em 2016, a China aumentou 72% a compra de carne de aves e 10 mil% a de carne suína. Vou repetir: 10 mil%! Resumindo, pretendemos abrir mais dez mercados para aves em cinco anos, chegando a 168 países. Para suínos, teremos os seis maiores consumidores do mundo, ou seja, Coreia e México vão se somar à Rússia, Japão, China e União Europeia. Hoje temos um total de 90 mercados abertos para a carne suína brasileira, mas somente 40 comprando constantemente. Queremos chegar, também em cinco anos, a 70 bons mercados compradores para a nossa carne suína.

 

Como está o perfil de consumo de carnes do brasileiro?

Turra: Estamos em evolução, em grande parte pelo trabalho de divulgação e incentivo ao consumo até em redes sociais. O consumo de carne de frango no Brasil é um dos mais elevados do mundo: 44 quilos por habitante ao ano. Não há muito que crescer. De ovos, estamos abaixo da média mundial, que é de 220 ovos/habitante/ano e nós estamos em 186. Há um bom espaço para crescer. E na carne suína podemos crescer muito. Aliás, a carne suína já está ocupando espaço da carne bovina, que é mais escassa e cara. No mundo, o consumo de carne bovina é de 25 quilos/habitante/ano, inferior ao consumo dos brasileiros, que é de 32 quilos. Em contrapartida, o brasileiro só consome 15 quilos de carne suína por ano, contra os 30 quilos da média mundial. Há muito espaço para crescer.

 

Por Andréa Leonora – Jornalista ADI-Brasil/CDI
Foto: Édi Pereira/ABPA

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