Crônicas

Os 50

Assoprei as velinhas e todos os que estavam comigo nesse dia fizeram coro e soltaram a voz a plenos pulmões dizendo: “discurso, discurso!”

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Ao longo de vários anos, a cena se repetiu. Assoprei as velinhas e todos os que estavam comigo nesse dia fizeram coro e soltaram a voz a plenos pulmões dizendo: “discurso, discurso!”

Eu silenciei, tal como tenho feito na sequência dos anos, porque sempre achei que as palavras ficam muito mais à vontade no papel do que na minha fala. O nervosismo e a ansiedade atropelam as sílabas. Devoro as letras, suprimo adjetivos, excluo substantivos, não completo frases, a emoção embarga a minha voz. Digo coisas que não deveria dizer e esqueço de mencionar o que seria necessário e oportuno.

Mas a todos os que estiveram fisicamente bem perto de mim desejo que a gente possa comemorar muitos momentos juntos e que esses instantes sejam arquivados no coração e na memória, que são os lugares mais bonitos e singelos para se guardar as recordações. Vocês são os meus alicerces, a minha base e o meu tudo. A minha estabilidade emocional deve-se a ter vocês ao meu alcance, ao meu acesso, a um passo de mim, a um toque. Sem vocês eu não me reconheço, não há identidade que justifique a minha existência. Que a gente possa se pertencer por muitos e muitos anos.

Aos meus amigos, que carinhosamente não pouparam esforços, nem homenagens, nem palavras, nem emoções e, dessa forma, entregaram-me declarações carregadas de carinho e afeto, fiz questão de retribuir o gesto, respondendo a cada um de maneira singular, porque entendo que onde mora o amor há de ter reciprocidade. A vocês eu desejo que estejam sempre comigo, que o laço construído não se desfaça e permaneça belo, mesmo com os enfrentamentos cotidianos, com as provações a que somos submetidos e que nada afete essa estrada construída.

Cheguei aos 50 anos. Uma idade emblemática, cheia, robusta. Um número que inquieta, provoca reflexões, traz questionamentos, dúvidas e algumas inseguranças.

Lembro que ansiei os 15 anos. As outras idades foram chegando, acomodando-se e me modificando de alguma forma.

Abandonei muitas opiniões, que julgava inalteradas, adotei uma nova visão de mundo, não permaneço em lugares em que não me reconheço, sou fã da objetividade, das pessoas que expressam sentimentos e, as palavras que tanto prezo só se justificam se vierem acompanhadas das atitudes.

Ventilo a casa e a vida, não torço o nariz para a rotina, mas escapo dela de vez em quando para que o oxigênio seja renovado e as ideias arejadas.

Estou sempre em ótima companhia comigo mesma e já perdi as contas de quantas vezes me senti só, mesmo rodeada de muita gente.

Não tenho problema nenhum com o silêncio. Muito pelo contrário, ele me revigora e enquadra, organiza o caos dos meus pensamentos, mostra caminhos e sugere rotas.

Descobri as várias versões de mim e convivo com todas aqui dentro, sem que uma não provoque desequilíbrio na outra.

Ainda estou em fase de adaptação com essa mulher de 50. Um número recém-inaugurado, mas que já dá sinais claros de uma maturidade que vem sendo burilada através dos anos e só me cabe agradecer pelo trajeto percorrido.

Os 50

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Kátia Muniz

Kátia Muniz é formada em Letras e pós-graduada em Produção de Textos, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (hoje, UNESPAR). Foi colaboradora do Jornal Diário do Comércio por sete anos, com uma coluna quinzenal de crônicas do cotidiano. Nos anos de 2014, 2015 e 2016 foi premiada em concursos literários realizados na cidade de Paranaguá. Em outubro de 2018, foi homenageada pelo Rotary Club de Paranaguá Rocio pela contribuição cultural na criação de crônicas.