Crônicas

Essa tal fantasia chamada escrita

Já perdi as contas de quantas vezes narrei em primeira pessoa do singular uma história que não me pertencia, nada ali era autobiográfico.

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Já perdi as contas de quantas vezes narrei em primeira pessoa do singular uma história que não me pertencia, nada ali era autobiográfico.

A sensação é boa. Faz você viver aquilo que nunca viveu. Por alguns instantes, assume-se um papel que jamais foi seu e escreve-se como se tudo tivesse sido extraído da própria pele. O êxtase? O leitor é capturado.

Ninguém questiona a primeira pessoa. O “eu” confere um status de legitimidade à narrativa. Se o autor escreve “eu fiz isso”, foi porque ele fez, ora bolas.

Essa tal fantasia chamada escrita também tem suas artimanhas. Talvez não devêssemos acreditar tanto nas pessoas, principalmente se essa pessoa for a primeira do singular.

Coleciono várias histórias em que, para preservar a identidade de quem as viveu, eu, sem nenhum pudor, as assumi. Tomei para mim dramas, medos, inseguranças e felicidades de outros.

De vez em quando, é bom vestir outra pele e dar um descanso para a própria. Essa com quem a gente convive 24 horas por dia e por número sequencial de anos.

Para isso, também serve a arte. Para promover esse respiro. Esse alívio no meio da tormenta. Essa fuga da realidade que nos invade.

A leitora escreve para mim no endereço de e-mail que está disponibilizado na coluna. Faz alguns elogios que me salvam de um dia triste. Entre as palavras carinhosas, menciona que me acha uma mulher bem-resolvida.  E foi dessa frase que ela, sem saber, fez brotar no meu rosto um sorriso que eu havia perdido em um canto qualquer dentro de mim.

Cara leitora, fica extremamente fácil ser bem-resolvida diante de uma página em branco do Word. Posso preenchê-la como eu quiser, porque é nesse momento que exercito a minha liberdade. No restante do dia, me atrapalho e me perco diante dos enfrentamentos, assim como todo mundo.

Infelizmente, não são as frases organizadas de maneira apresentável que costumam me salvar dos questionamentos feitos a todo momento.

A escrita é o meu parque de diversões. É para cá que eu costumo escapar quando decido que é hora de brincar um pouco. O ato de escrever possibilita a visita à casa dos delírios e é somente nesse lugar que eu consigo me vestir de outros personagens ou me despir dos próprios.

Posso montar vários parágrafos contando uma história em que só eu tenho a resposta de “falsa ou verdadeira”. Afinal de contas, plantar dúvidas também faz parte do processo.

Essa tal fantasia chamada escrita

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Essa tal fantasia chamada escrita

Kátia Muniz

Kátia Muniz é formada em Letras e pós-graduada em Produção de Textos, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (hoje, UNESPAR). Foi colaboradora do Jornal Diário do Comércio por sete anos, com uma coluna quinzenal de crônicas do cotidiano. Nos anos de 2014, 2015 e 2016 foi premiada em concursos literários realizados na cidade de Paranaguá. Em outubro de 2018, foi homenageada pelo Rotary Club de Paranaguá Rocio pela contribuição cultural na criação de crônicas.