Na semana passada adentramos na particularidade dos nossos sentimentos, numa viagem em direção ao nosso interior e da necessidade do cuidado contínuo que devemos ter em relação ao que sentimos, ou melhor, o ato de sentir como um ato de escolha.
O processo de escolha sempre apresenta um grau elevado de complexidade. Nesse sentido podemos inclusive recorrer ao “livre arbítrio”, uma expressão muito utilizada no cristianismo que significa o poder que cada um de nós tem para escolher nossas ações e os caminhos que desejamos seguir. No aspecto conceitual parece muito simples, porém, na prática não tem a mesma conotação.
Qualquer escolha sempre é um grande desafio, principalmente nos tempos atuais em que nos deparamos com diversas armadilhas e encruzilhadas no trajeto da vida, onde o mundo externo cada vez mais exerce uma influência incontrolável no nosso mundo interior.
A tecnologia obviamente proporcionou um salto importante na dinâmica evolutiva da humanidade, porém, trouxe consigo muitos perigos para a nossa condição de existência. O mais alarmante está no fato de que nunca estivemos preparados para tal contexto, evidência que se traduz claramente nos assustadores indicadores que tratam da saúde mental e envolvem diretamente comportamentos, emoções e a vida em sociedade.
Quando você compra um remédio sempre vem junto a “bula”, que se trata de um documento sanitário que descreve diversas orientações sobre o uso daquele medicamento, sendo obviamente uma ferramenta fundamental tanto para os profissionais de saúde como para os consumidores, pois informa sobre a utilização correta e principalmente sobre os riscos.
Quero assim fazer uma analogia com relação à minha explanação anterior, sobre os riscos do uso da tecnologia, dos seus efeitos e que nesse caso não veio acompanhada de uma bula para nos orientar.
Percebemos que primeiramente fomos expostos aos riscos para depois buscarmos soluções para saná-los e essa é a grande questão, o enorme desespero em resolver algo que não cessa em gerar riscos e danos.
O antropólogo, sociólogo e filósofo Edgar Morin já alertava que, assim como prevaleceu ao longo de quase todo o percurso civilizatório, nossas inclinações para ilusões desnecessárias ainda persistem com mais intensidade na contemporaneidade e estão a nos empurrar para o abismo, na aposta que tem sido feita no avanço da tecnologia para resolver todos os problemas do mundo.
Na visão do referido autor precisamos urgentemente voltarmos mais nossas atenções para a condição humana e menos para o aperfeiçoamento das técnicas e dos instrumentos, pois a crise de civilização que enfrentamos, em grande medida, é fruto dessa incompreensão.