A história das pessoas que vivem na ilha do Valadares já foi tema de muitos trabalhos acadêmicos, muitos deles caracterizando a ilha como um lugar onde viviam pessoas que possuíam um modo de vida caiçara pelo fato de manterem uma relação muito forte com a natureza e atividades reconhecidas como tradicionais, ou seja, práticas da dança do fandango que resiste há várias gerações e outras atividades como a pesca e artesanato, bem como os mitos e as simbologias que emergem dentro dessa cultura.
Neste sentido, ao falar de comunidades tradicionais, fala-se previamente de nomeação identitária, criada a partir de uma característica social, cultural, econômica, ideológica e ecológica específica, que distingue essa sociedade e os sujeitos que fazem parte dela.
Até pouco tempo, a ilha dos Valadares era um dos bairros menos conhecidos de Paranaguá e muitos parnanguaras,, até hoje, nunca colocaram os pés na Ilha.
O mundo do indiferentismo de uns habitantes pelos outros, que não se estimam porque não se conhecem, podem se deixam levar pela primeira impressão e, assim, catalogar toda uma comunidade, por uma generalização estigmatizada no sentido pejorativo, e neste caso, foi aí que surgiu o dilema do “índio”.
Antigamente, a Ilha dos Valadares era pouco visitada, pois o lugar era visto como um bairro perigoso e, em alguns momentos de contato havia também muita rivalidade, como nos campeonatos de futebol disputados com o continente nos quais, na maioria das vezes, surgiam desavenças ao final do jogo.
Nesse mesmo período, durante as folias de carnaval na cidade, havia na Ilha um bloco carnavalesco chamado “Os Carijós”, onde seus integrantes se caracterizavam de índios e desfilavam na avenida em Paranaguá, com os demais blocos da cidade.
Num carro alegórico representando uma caravela, só saia índio, – o pessoal já tinha aquela cara de índio, feição de índio, bem índio e, naturalmente, o pessoal os chamavam de índios, porque ficava bem caracterizado mesmo, segundo contam os mais velhos, tinha até feiticeiro na “tribo”.
A maioria dos insulanos se empolgavam, pois o carnaval era a festa mais esperada e durante o ano todo a comunidade se mobilizava para preparar e apresentar o melhor desfile. “Os Carijós” pararam de desfilar em 1985.
Foi aí que, em 2012, o escultor Deocir Gomes dos Santos, “filho da Ilha”, produziu uma estátua de um “Índio Carijó”, a pedido da prefeitura. A estátua seria uma homenagem aos moradores, tendo a finalidade da promoção e a valorização da cultura, não só da ilha, como também dos parnanguaras e paranaenses.
Essa situação de atribuir uma identidade ao povo da ilha de “índio” gerou muitos desentendimentos, pois a história dessa nomenclatura já estava associada localmente a termos pejorativos. Certamente, isso foi um dos motivos, senão o único, da depredação do monumento, ou seja, uma negação a uma imposição identitária. Enquanto alguns não acharam ofensiva a homenagem feita através dela, porque compreendiam o processo de colonização do litoral e não viam nenhum problema em ser homenageado com uma imagem dos seus antepassados, pelo modo simples de viver, tendo como meio de transporte principal o barco, a escassez da energia elétrica e da água tratada, de chinelo ou descalço, roupas simples e comidas típicas como o biju, o peixe seco, e a farinha de mandioca.
Por outro lado, outros moradores manifestaram em suas falas certo repúdio a estátua, alegando que seria mais interessante que fosse esculpido um pescador com um barco, segurando um remo e uma rede de pesca:
“- Que ideia dessa gente querer colocar um índio na praça, a gente não é índio, já chamam a gente de índio, daí que a gente vai virar gozação de uma vez, se colocasse um pescador daí sim, porque gostamos de pescar e fandanguear, como nossos pais e nossos avós. “
A estátua não existe mais, segundo alguns moradores ela foi destruída por vândalos durante a noite, por conta das queixas sobre ela. A marginalização e degradação da cultura tradicional pode ser considerada consequência de fatores externos, da ação de uma sociedade urbana estigmatizada.
Atualmente, com a expansão demográfica da ilha, e com os recursos disponibilizados pela união, estado e município, a ilha se tornou um dos maiores bairros da cidade e a aproximação das comunidades insular e continental, hoje é hegemônica e logo mais, com a nova ponte, a integração social será completa.
Todavia, é preciso dizer que a sua cultura e suas raízes caiçaras continuam representadas, positivamente, por abnegados mestres e cidadãos comuns do povo, que lhe imprimem esta identidade parnanguara de ser.
Almir Silvério da Silva – Associado do IHGP
Referências: Divers@ Revista Eletrônica Interdisciplinar, Matinhos, v. 10, n. 2, p. 133-146, jul./dez. 2017 ISSN 1983-8921 – Valadares: Um Estudo De Caso Sobre Elementos Da Configuração Social Da Ilha – Autores: Eveline Tenório Mendes e Antonio Marcio Haliski