Caro leitor, ao percorrermos nossas cidades históricas, em determinados momentos do dia, ainda podemos ouvir um som inconfundível: o repicar dos sinos das igrejas.
Durante o período colonial brasileiro, os sinos transcenderam sua função estritamente religiosa e assumiram o papel de autênticos comunicadores públicos. Instalados nos altos campanários, seus sons regulavam o ritmo da vida urbana e constituíam um dos mais antigos e eficazes meios de comunicação coletiva no território nacional.
Em uma época desprovida de jornais, rádios ou televisores, os sinos exerciam a função de transmitir mensagens à população. Sim, caro leitor, eles foram os “meios de comunicação de massa” de sua época — instrumentos sonoros que informavam, organizavam e conectavam a sociedade.
Introduzidos pelos colonizadores portugueses, os sinos integraram-se rapidamente à rotina dos povoados e vilas, servindo não apenas para convocar os fiéis às celebrações religiosas, mas também para estruturar o cotidiano das comunidades. Seus toques indicavam os momentos das orações, o início e o término das atividades laborais, a chegada de autoridades, os falecimentos, as festividades religiosas, bem como situações emergenciais, como incêndios ou ataques. Cada toque possuía um significado específico e reconhecível, formando uma linguagem sonora que unificava os habitantes, mesmo à distância.
Na cidade de Paranaguá, não foi diferente: os sinos ressoavam como vozes metálicas, sinalizando a passagem do tempo e os eventos da vida cotidiana. Inclusive quando no dia 9 de maio de 1718 com a chegada do Navio Francês fugindo do corsário “La Buse”, os sinos avisaram a população sobre o perigo que desesperada correu na Matriz e rogou a Nossa Senhora do Rosário para que protegesse a Vila. Não se restringiam ao âmbito litúrgico; tornaram-se elementos essenciais da paisagem urbana, organizando os espaços sociais e promovendo a coesão comunitária.
Em uma época em que os relógios pessoais eram raros, era por meio dos sinos que a população se orientava para despertar, iniciar suas atividades, realizar orações ou prestar homenagens aos falecidos. Seus toques também anunciavam acontecimentos extraordinários, como a libertação de cativos, transmitindo informações que, de outro modo, levariam mais tempo a circular.
Assim, no Brasil Colonial, o sino era mais do que um objeto de culto religioso: constituía a voz coletiva das cidades, apta a comunicar, reunir e marcar a vida em sociedade. Seu som era, simultaneamente, anúncio e memória, oração e alerta, símbolo de fé e instrumento público de convivência e identidade.
Convido-o, portanto, a, ao contemplar o campanário de uma igreja, recordar que aquele toque não serve apenas para chamar os fiéis à missa, mas remete a um tempo em que os sinos exerciam papel central na comunicação e na organização das cidades brasileiras.
Imagem: Sino que tocou a abolição na Fazenda Valença, RJ.