Amanhã que é dia dos mortos,
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.
Leva três rosas bem bonitas
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.
(Manoel Bandeira)
Sentimos, certamente, não só a beleza simples desses versos, mas também a verdade profunda neles contida. A homenagem prestada ao pai falecido, e a tristeza do filho que, embora vivo, clama por compaixão. Naturalmente é justo e digno reverenciarmos os nossos mortos e que até exageremos essa reverência no dia de finados, com cataratas de flores – numa quase competição não confessada. Somos humanos e a vaidade é um dos nossos pontos fracos. E, sem dúvida ficam lindos os cemitérios no dia de finados, flores em profusão e o ar embalsamado pelos perfumes. Mas temos consciência de que essa manifestação de reverência material nada representa ante a grandeza da eternidade. Os mortos foram criaturas nossas, conviveram conosco, amaram e foram amados e também sofreram. E um dia partiram, sempre cedo demais para quem chora a perda de um ente amado. Suas almas eternas se desprenderam para sempre deste envoltório tão frágil e, agora, pairam numa esfera de paz, libertos das misérias da terra; estão a salvo da mesquinhez da cobiça, do orgulho. Já de nada necessitam. A morte lhes conferiu tudo: dignidade, consideração, respeito. Quando nos deixaram, a dor da separação fez-nos sentir a quase inutilidade da vida e quantos de nós não desejamos morrer também dominados pelo desespero da perda. Mas, em torno, a despeito do nosso sofrimento, tudo seguiu o ritmo de sempre: flores nos jardins, céu com sol e luar com estrelas. Crianças sorrindo, homens no trabalho; apitos, motores, fumaça nas chaminés, numa demonstração de vida em prosseguimento. E, aos poucos, nós mesmos sentimos a necessidade imperiosa de viver, talvez não por nós, mas pelos que nos rodeiam, pelos que precisam do nosso amparo, dos nossos cuidados, do nosso amor. E desdobramo-nos, então, em carinho aos que nos cercam, num medo inconsciente de que nos sejam subtraídos. A morte existe justamente para valorizarmos a vida. Para que através dela e por ela desenvolvamos dentro de nós, pelo exercício contínuo, o amor, a compreensão o perdão e nos tornemos dignos da imagem de quem nos criou: Deus.