Crônicas

Um doce de crônica

Por: Kátia Muniz Lembro que, quando era pequena e ia ao supermercado com a minha mãe, passávamos por uma gôndola cheia de guloseimas e ela dizia: “Pode pegar um chocolate”. ...

Kátia Muniz

Kátia Muniz

Por: Kátia Muniz

Lembro que, quando era pequena e ia ao supermercado com a minha mãe, passávamos por uma gôndola cheia de guloseimas e ela dizia: “Pode pegar um chocolate”. Era um só, mas ele durava o dia todo. Eu ia comendo por pedacinhos, saboreando cada um, totalmente entregue àquele momento, tanto que, hoje, a lembrança é tão boa quanto. 

Se havia alguma amiga comigo, a mãe alertava: “Divida com sua amiguinha”. Eu não falava nada, mas pensava: “Dividir? Como assim dividir? Quero o chocolate inteiro só pra mim”.

Sou de uma época que as mães não precisavam falar muito, bastava um único olhar e a gente entendia o recado. Era sob esse olhar firme que eu cortava, a contragosto, o chocolate ao meio e entregava uma das metades para a coleguinha. Desse dia em diante, tomei uma séria e certeira decisão: nada de coleguinhas no mercado junto comigo. 

Se você foi criança na década de 70, sabe muito bem sobre a adrenalina gerada ao rodar um baleiro de vidro no mercadinho da esquina. Aquele colorido todo dava um brilho no olhar. Bastava deixar umas moedinhas no balcão do estabelecimento que o passaporte para a felicidade estava garantido. Abríamos a tampa redonda de alumínio e víamos saltar para as nossas mãozinhas, pirulito, bala, goma de mascar, doce de abóbora, suspiro, sorvete seco… O nome do objeto era baleiro, mas lá faziam morada todas as guloseimas que ele podia comportar.  

Depois, a criançada sentava em círculo, e estava oficialmente aberto o campeonato da maior bola de goma de mascar. Soprávamos com toda a força dos nossos pequenos pulmões, até ver a bola ir ganhando forma e tamanho, mas de repente…ploft! Ela estourava no nosso rosto. Grudava no nariz, nos olhos, nas sobrancelhas, no cabelo. Sem cerimônia, pegávamos a goma com os dedos, que muito provavelmente tinham sido lavados no banho do dia anterior, desgrudávamos tudo e a devolvíamos para a boca. Como se vê, as bactérias das décadas passadas eram cúmplices, caso contrário, uma geração inteira teria sido exterminada. 

Dava, com moedinhas a mais, para comprar um suco que vinha em uma embalagem de plástico e possuía formato de carrinho ou de cacho de uva. Esse último era o meu preferido. A língua ficava roxa, e, claro, essa era a graça da coisa.  

Uma infância regada a corantes, açúcares, aromatizantes artificiais e cáries. Afinal, tudo nessa vida tem um preço.

Então cresci, caro leitor. Vou confessar em sussurros a você para que ninguém nos ouça: ainda sou louca por doces. 

Atualmente, ao fazer compras no supermercado, meus olhos repousam com desejo na barra de chocolate. Não fosse a voz da consciência me alertando sobre o exagero, sucumbiria ao ato de comprá-la. Acabo optando então por uma barrinha minúscula. Quatro quadradinhos para derreter na boca e alimentar a criança que ainda mora em mim.


Um doce de crônicaAvatar de Kátia Muniz

Kátia Muniz

Kátia Muniz é formada em Letras e pós-graduada em Produção de Textos, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (hoje, UNESPAR). Foi colaboradora do Jornal Diário do Comércio por sete anos, com uma coluna quinzenal de crônicas do cotidiano. Nos anos de 2014, 2015 e 2016 foi premiada em concursos literários realizados na cidade de Paranaguá. Em outubro de 2018, foi homenageada pelo Rotary Club de Paranaguá Rocio pela contribuição cultural na criação de crônicas.

Um doce de crônica

Fique bem informado!
Siga a Folha do Litoral News no Google Notícias.

Você também poderá gostar