Acho fascinante poder viajar de avião. Sou fã de aeroportos, dos mais simples aos mais bem-estruturados. Gosto de observar o ir e vir das pessoas, o barulho das rodinhas das malas no piso, as chegadas e as partidas que nunca são iguais, embora tenham os mesmos protagonistas.
É inevitável: sempre penso no que há na bagagem alheia. Não dentro das malas em si, mas dentro de cada pessoa.
Viajar é o jeito mais prático de se renovar. Ninguém retorna da mesma forma que foi, nem chega com os pensamentos formatados e enquadrados. Voltamos todos oxigenados, carregando experiências boas e ruins para seguir montando a nossa história.
Muitas pessoas se apavoram com a possibilidade de voar. Tomam remédios para dormir, agarram-se às poltronas, entram em pânico.
Eu me delicio. Coloco para fora a menininha de dez anos que um dia fui. Acho o máximo a decolagem. Sair do chão me revigora. Olhe para mim. Veja a minha euforia! Pareço uma criança que acabou de receber um presente.
A comissária repete os procedimentos de segurança: “…em caso de despressurização, máscaras cairão automaticamente…”. Ouço tudo. Ela terminou. Ufa! Posso voltar aos meus dez anos e grudar o rosto na janelinha.
No alto, sempre há luz natural ─ seja do sol, da lua ou das estrelas. É um encantamento, embora a paisagem não mude. Nuvens para você, nuvens para mim. Há democracia nos ares, ainda que cada um se sinta à vontade para olhar de maneira subjetiva.
Dou trabalho ao serviço de bordo. Aceito tudo a que tenho direito. “Polvilhos?” ─ “Sim”; “Cookies integrais?” ─ “Sim”; “Balas de gelatina?” ─ “Sim”; “Amendoim?” ─ “Sim”; “Café?” ─ “Sim”. Monopolizo quem me atende e não costumo distribuir negativas.
Abro a mesinha. Abro os pacotinhos com as comidinhas e, na sequência dos diminutivos, ponho-me a brincar de casinha nas alturas.
Nas nuvens, não existem instituições financeiras; portanto, não há contas a pagar, correspondências chegando, pendências e nadica de nada para resolver. Como se vê, é realmente um encantamento sair do chão.
Sendo lá em cima um deleite, basta curtir a barriga do pássaro gigante roçar as nuvens de algodão. Devo estar mais perto de Papai do Céu dessa forma.
Só há uma coisa que me incomoda profundamente: a aterrissagem. Não porque eu não confie na capacidade e horas de voo de quem conduz a aeronave. Não porque o trem de pouso, geralmente, encosta as rodas no chão de forma brusca. Não porque a velocidade com que se aterrissa faça a gente pensar como é que o pássaro gigante vai parar. Nada disso.
A aterrissagem de retorno à cidade de origem, que fique bem claro, incomoda-me pelo fato de eu ter que me despedir da brincadeira, do meu delírio, da minha fantasia. Piso o chão do saguão e leio a placa imaginária. Nela, há letras em caixa alta, para atender, providencialmente, à minha necessidade de vista cansada e para anular qualquer hipótese de interpretação errada: BEM-VINDA À REALIDADE!