Crônicas

Nas nuvens

Por Kátia Muniz

Kátia Muniz

Kátia Muniz

Acho fascinante poder viajar de avião. Sou fã de aeroportos, dos mais simples aos mais bem-estruturados. Gosto de observar o ir e vir das pessoas, o barulho das rodinhas das malas no piso, as chegadas e as partidas que nunca são iguais, embora tenham os mesmos protagonistas.

É inevitável: sempre penso no que há na bagagem alheia. Não dentro das malas em si, mas dentro de cada pessoa.

Viajar é o jeito mais prático de se renovar. Ninguém retorna da mesma forma que foi, nem chega com os pensamentos formatados e enquadrados. Voltamos todos oxigenados, carregando experiências boas e ruins para seguir montando a nossa história.

Muitas pessoas se apavoram com a possibilidade de voar. Tomam remédios para dormir, agarram-se às poltronas, entram em pânico.

Eu me delicio. Coloco para fora a menininha de dez anos que um dia fui. Acho o máximo a decolagem. Sair do chão me revigora. Olhe para mim. Veja a minha euforia! Pareço uma criança que acabou de receber um presente. 

A comissária repete os procedimentos de segurança: “…em caso de despressurização, máscaras cairão automaticamente…”. Ouço tudo. Ela terminou. Ufa! Posso voltar aos meus dez anos e grudar o rosto na janelinha.

No alto, sempre há luz natural ─ seja do sol, da lua ou das estrelas. É um encantamento, embora a paisagem não mude. Nuvens para você, nuvens para mim. Há democracia nos ares, ainda que cada um se sinta à vontade para olhar de maneira subjetiva.

Dou trabalho ao serviço de bordo. Aceito tudo a que tenho direito. “Polvilhos?” ─ “Sim”; “Cookies integrais?” ─ “Sim”; “Balas de gelatina?” ─ “Sim”; “Amendoim?” ─ “Sim”; “Café?” ─ “Sim”.  Monopolizo quem me atende e não costumo distribuir negativas.

Abro a mesinha. Abro os pacotinhos com as comidinhas e, na sequência dos diminutivos, ponho-me a brincar de casinha nas alturas.

Nas nuvens, não existem instituições financeiras; portanto, não há contas a pagar, correspondências chegando, pendências e nadica de nada para resolver. Como se vê, é realmente um encantamento sair do chão.

Sendo lá em cima um deleite, basta curtir a barriga do pássaro gigante roçar as nuvens de algodão. Devo estar mais perto de Papai do Céu dessa forma.

Só há uma coisa que me incomoda profundamente: a aterrissagem. Não porque eu não confie na capacidade e horas de voo de quem conduz a aeronave. Não porque o trem de pouso, geralmente, encosta as rodas no chão de forma brusca. Não porque a velocidade com que se aterrissa faça a gente pensar como é que o pássaro gigante vai parar. Nada disso.

A aterrissagem de retorno à cidade de origem, que fique bem claro, incomoda-me pelo fato de eu ter que me despedir da brincadeira, do meu delírio, da minha fantasia. Piso o chão do saguão e leio a placa imaginária. Nela, há letras em caixa alta, para atender, providencialmente, à minha necessidade de vista cansada e para anular qualquer hipótese de interpretação errada: BEM-VINDA À REALIDADE!


Nas nuvensAvatar de Kátia Muniz

Kátia Muniz

Kátia Muniz é formada em Letras e pós-graduada em Produção de Textos, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (hoje, UNESPAR). Foi colaboradora do Jornal Diário do Comércio por sete anos, com uma coluna quinzenal de crônicas do cotidiano. Nos anos de 2014, 2015 e 2016 foi premiada em concursos literários realizados na cidade de Paranaguá. Em outubro de 2018, foi homenageada pelo Rotary Club de Paranaguá Rocio pela contribuição cultural na criação de crônicas.

Nas nuvens

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