Crônicas

Lágrimas

Por: Kátia Muniz Quando cheguei ao local combinado, ela já estava. Dirigi-me à mesa, por sinal bem posicionada próxima a uma janela, e percebi que tomava o seu tradicional suco ...

Kátia Muniz

Kátia Muniz

Por: Kátia Muniz

Quando cheguei ao local combinado, ela já estava. Dirigi-me à mesa, por sinal bem posicionada próxima a uma janela, e percebi que tomava o seu tradicional suco de laranja.

Ao me ver, levantou. Sem que nenhuma palavra fosse mencionada, entreguei a ela o meu abraço.

Minha amiga havia enfrentado duas rupturas irreparáveis em um curto intervalo de tempo, por esse motivo estava sensível. Não resistiu ao gesto de conforto, desandando a chorar.

Não me recordo de tê-la visto assim em outra ocasião. Comumente, traz um sorriso no rosto e costuma ser uma fortaleza para lidar com os percalços cotidianos. Agora, não só chorava como também expunha suas dores numa avalanche sentimental, cabendo a mim ouvi-la sem nenhuma interrupção.

De repente, olhou-me e disse: “Estou muito envergonhada por chorar.”

Nesse momento, comecei a refletir e constatei que a reação dela, nem de longe, tratava-se de um caso isolado. Quantos de nós já ruborizamos ou ficamos desconfortáveis ao derramar lágrimas diante de outras pessoas? Como se não bastasse, agimos como se estivéssemos cometendo um erro gravíssimo.

No entanto, não faltam exemplos das inúmeras situações em que a vergonha deveria se fazer presente, muitas vezes, inclusive, acompanhada de um pedido de perdão, mas, por razões diversas, resolvem justamente escapulir.

A vida moderna tem provocado uma série de alterações no comportamento humano. Não raro, observamos brigas no trânsito, que poderiam ser resolvidas com um simples diálogo; ofensas são disparadas por todos os lados; rispidez ao tratar com o semelhante; falta de respeito com o próximo; além de julgamentos e comentários extremamente agressivos e deselegantes em postagens nas redes sociais. 

Diante de um quadro tão caótico, o que assusta é saber que, na visão de algumas pessoas, tais práticas são consideradas normais. Dessa forma, não há uma reflexão sobre determinadas atitudes e, consequentemente, o ato de se desculpar torna-se inexistente.

Portanto, ninguém deveria se acanhar por se emocionar, por dar vazão aos sentimentos, por se provar humano, por transbordar lágrimas em público, por se mostrar frágil em um mundo tão endurecido.

É lindo quando nos descortinamos e nos deixamos revelar puros. Triste é seguirmos secos, empunhando um escudo imaginário, tentando combater em vão as sensações que nos afligem, bem como as que nos tocam delicadamente.

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Lágrimas

Kátia Muniz

Kátia Muniz é formada em Letras e pós-graduada em Produção de Textos, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (hoje, UNESPAR). Foi colaboradora do Jornal Diário do Comércio por sete anos, com uma coluna quinzenal de crônicas do cotidiano. Nos anos de 2014, 2015 e 2016 foi premiada em concursos literários realizados na cidade de Paranaguá. Em outubro de 2018, foi homenageada pelo Rotary Club de Paranaguá Rocio pela contribuição cultural na criação de crônicas.