Crônicas

Júlia

Eu era ainda uma garotinha ao vê-la abrindo um envelope e lendo algo, que depois me explicaram ser o resultado de exames trazendo o diagnóstico.

Por: Kátia Muniz

Eu era ainda uma garotinha ao vê-la abrindo um envelope e lendo algo, que depois me explicaram ser o resultado de exames trazendo o diagnóstico.

Daí em diante, vi a bela mulher que me deu a vida, aos poucos, definhar. O tal diagnóstico não era camarada.

Muito tempo depois, menstruei sem tê-la para dividir a insegurança que me corroía. Fui boa estudante, consegui um emprego legal e, durante uma coisa e outra, namorei. Amar ajudou a aliviar o percurso.

Você fez muita falta para dizer se o comprimento do meu véu estava bom e me auxiliar na organização da festa de casamento. No altar, eu chorava de emoção pela cerimônia e por você não estar ali. A felicidade e a tristeza sempre andaram de mãos dadas comigo.

Amigas, tias, primas sempre se fizeram presentes. Foram sensíveis o suficiente para entender que eu precisava de uma referência feminina. Mas não eram você. Nenhuma seria capaz de preencher o vácuo, o vazio da sua precoce partida.

Meu sorriso só voltou, verdadeiramente, quando a minha filha nasceu. Fui mãe, mas você não pôde vivenciar a experiência de ser avó. De alguma forma, viver a maternidade, que foi esse o papel que um dia ocupou, fez entender alguns questionamentos que eu carregava.

Ser mãe é o maior exercício de doação e amor. A propósito, sua neta é linda e traz nos olhos o mesmo tom de azul herdado dos seus. Gosta de manusear as fotos em que você se faz presente e me pede que conte histórias a seu respeito.

Repito quase sempre as mesmas, pois a brevidade do nosso convívio não deixou que acumulássemos um arquivo recheado de lembranças. Alguns momentos ficaram registrados na memória. Os almoços em família, no domingo, foram os que mais me marcaram. Eu era a sua “princesa”, assim me chamava.

Sua neta cresce faceira e procuro sempre estar com ela para orientar, conduzir, abrir caminhos, assoprar machucados, escolher temas para os aniversários, registrar momentos em fotos e responder a todos os questionamentos que já tive na idade dela. Como criança pergunta! A curiosidade é uma fonte inesgotável. Ela tem a mim, mas eu não tive você. Não pelo tempo que queria. Não pelo tempo que ansiava.

Ser mãe me preencheu, fez-se luz em meio a tanta escuridão, mostrou que sou novamente inteira e capaz de transferir o legado.

Em sua homenagem, o nome dela também é Júlia.

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Júlia

Kátia Muniz

Kátia Muniz é formada em Letras e pós-graduada em Produção de Textos, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (hoje, UNESPAR). Foi colaboradora do Jornal Diário do Comércio por sete anos, com uma coluna quinzenal de crônicas do cotidiano. Nos anos de 2014, 2015 e 2016 foi premiada em concursos literários realizados na cidade de Paranaguá. Em outubro de 2018, foi homenageada pelo Rotary Club de Paranaguá Rocio pela contribuição cultural na criação de crônicas.