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Crônicas

Fim da sessão

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coluna crônicas

Por Kátia Muniz

Lembro que foi ficando nublado, escuro, parecia ser noite, mas eram dez horas da manhã. Sabe aquele dia que amanhece com cara de poucos amigos e se torna convidativo para permanecer na cama? Era, exatamente, um desse. Para completar, fazia frio.

Estava em casa quando recebi, de uma amiga, uma mensagem avisando que um cinema da capital paranaense havia fechado. Anexou a matéria que confirmava não só o encerramento das atividades em Curitiba, mas também em Porto Alegre e Salvador. 

Pra mim, foi um golpe! Cada sala cultural fechada cerrava também mais portas de lazer, de conhecimento, de emoções e tudo mais que a arte é capaz de nos proporcionar.

Sentei no sofá e ali fiquei buscando na memória quantos filmes eu vi naquelas salas de projeção. Não era um cinema, era “O” cinema. Trazia na sua grade de programação, filmes alternativos que, na maioria das vezes, fugiam dos filmes comerciais. Era um espaço aconchegante, frequentado por um público que exalava cultura pelos poros.

Lá, assisti ao Boyhood, que me rendeu um texto. Dor e Glória, do Almodóvar, encheu-me os olhos de encantamento logo na abertura, numa mistura de tintas com cores vibrantes e, no decorrer do filme, o vermelho pulsante se fazia presente. Carol, com Cate Blanchett e Rooney Mara nos papéis principais. A película francesa, que não canso de recomendar, Monsieur & Madame Adelman, com seu roteiro inteligentíssimo e interpretações memoráveis. Novamente Cate Blanchett no filme Manifesto dando um banho de interpretação na pele de treze personagens. O documentário dos Beatles Eight Day a Week, em que a maior dificuldade era permanecer estática na poltrona enquanto o som rolava solto na tela. Com uma amiga de longa data, assisti ao filme Minha Vida Em Marte, uma celebração à amizade, com Mônica Martelli e o saudoso Paulo Gustavo, além de uma infinidade de títulos guardados na lembrança. 

Não me importava se, ao final do filme, estivesse estampado no meu rosto um desapontamento, provavelmente, gerado pelo fato de depositar uma expectativa exagerada e que não fora correspondida. Estar entregue às emoções era o que me bastava. Era o salto no escuro que eu me permitia.

Corria uma discreta lágrima no meu rosto. Conseguia me ver na última fileira da sala simples ou da sala vip. Nesta última, a poltrona reclinava e virava praticamente uma cama. Nas mãos, um pacote de pipoca e um refrigerante, e estava completo o passaporte para a felicidade. 

Perdi as contas de quantas crônicas escrevi depois de cada sessão, ainda embriagada pelas emoções, mas jamais imaginei que escreveria sobre o encerramento das atividades das salas culturais. 

Dói. Um jeito de organizar a dor é, justamente, escrever sobre ela.

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