Crônicas

Dentro do quarto

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Kátia Muniz

Kátia Muniz

Por: Kátia Muniz

A cena é cotidiana: a mãe entra no quarto do filho e o vê digitando freneticamente no celular, os olhos colados na tela, sorriso nos lábios, tão absorto no que acontecia ao redor que sequer percebeu a presença materna.

Curiosa, ela tenta uma aproximação: 

─ O que te faz rir aí?

A resposta foi rápida: 

─ Nada, mãe. É um meme.

 Com a mesma ligeireza, deu-se o movimento para bloquear a tela.

O fato é que no mundo todo, os pais se questionam: O que tanto escondem os nossos filhos?

Se a insegurança dos pais faz parte da rotina na criação dos filhos, a mais recente sensação da plataforma Netflix veio nos convidar a uma enxurrada de reflexões.  

A produção Adolescência conta a história de Jamie Miller, um garoto de 13 anos acusado de assassinar Katie, aluna da mesma escola que ele frequenta.  No entanto, o que está em jogo não é descobrir se o menino cometeu ou não o crime. As discussões vão além, abordando, sobretudo as relações familiares e o impacto da internet e das redes sociais na vida e na formação dos adolescentes.

Prepare-se para um verdadeiro choque de realidade. Afinal, tudo o que é mostrado na tela pode acontecer com qualquer família, e isso é assustador. Ademais, a série conduz o espectador de forma envolvente, expondo as vulnerabilidades de um mundo hiperconectado. Não bastasse, derruba, tijolo por tijolo, a crença de que um filho que vai bem na escola, tira boas notas, é inteligente, tem amigos e é amoroso estaria, necessariamente, livre de problemas.

Outro ponto interessante é a desconstrução da ideia de que apenas famílias desestruturadas ─ marcadas, por exemplo, por pais abusivos, mães alcoólatras, ou transtornos diversos ─ são responsáveis por criar filhos problemáticos. Esse pensamento faz com que o espanto seja inevitável quando nos deparamos com casos em que, dentro de um lar aparentemente equilibrado e que segue os padrões considerados normais, surge alguém que representa uma ameaça ao convívio social.

A série também retrata os desafios enfrentados pelos pais na era digital e o abismo geracional que os separa dos filhos nesse contexto tecnológico. O universo dos adolescentes nas redes sociais possui linguagem própria, códigos e significados ocultos em emojis e mensagens, dificultando a compreensão dos adultos. Mesmo com supervisão e controle sobre o que acessam, os jovens frequentemente encontram maneiras de burlar restrições e continuar explorando temas sem levantar suspeitas.

Com uma abordagem intensa e realista, Adolescência vem provocando debates e trazendo à tona reflexões urgentes sobre as dificuldades da educação. 

E aquela mãe, mencionada no início do texto, adentra o quarto do filho na manhã seguinte e o encontra na mesma condição do dia anterior, ou seja, mergulhado no conteúdo do celular. Senta-se ao lado dele e pergunta: 

─ Posso ver esse meme? 

Ele riu, desconfiado, mas baixou a guarda e mostrou a tela. Tratava-se de um vídeo ingênuo, de um gatinho escorregando no chão. Nada assustador ou violento. Isso a deixou aliviada, mas ainda pensativa, pois sabe que, na era digital, a linha entre o inofensivo e o perigoso pode ser tão fina quanto um deslizar de dedo na tela.

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Kátia Muniz

Kátia Muniz é formada em Letras e pós-graduada em Produção de Textos, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (hoje, UNESPAR). Foi colaboradora do Jornal Diário do Comércio por sete anos, com uma coluna quinzenal de crônicas do cotidiano. Nos anos de 2014, 2015 e 2016 foi premiada em concursos literários realizados na cidade de Paranaguá. Em outubro de 2018, foi homenageada pelo Rotary Club de Paranaguá Rocio pela contribuição cultural na criação de crônicas.