Normatizar a utilização dos novos equipamentos públicos de água poderia parecer algo fácil, afinal, teoricamente bastava fiscalizar. Entretanto, a repressão não alteraria os hábitos das pessoas, assim de uma hora para outra, como alguns acreditavam. Para eliminar de vez as atitudes indesejáveis, a prefeitura necessitaria reprimir 24 horas por dia.
Os pontos de coleta de água sempre foram conturbados: as antigas fontes (desde o tempo dos escravos) eram frequentadas pelas camadas mais inferiores da sociedade, sendo locais de agitação e confusão, inclusive com brigas, bebedeiras, jogo e prostituição.
Assim, quando o sistema de água encanada chegou (1913), já existia um “microcosmo social” predominante nestes lugares e essa aglomeração, pelo menos em parte, migrou aos chafarizes e bebedouros. Mas outros grupos, “pessoas da sociedade”, damas, cavalheiros, patrícios, também passaram a utilizar estes novos locais – agora instalados em logradouros importantes, como a Praça Fernando Amaro e o Campo Grande. Rapidamente houve conflitos.
Antigas atitudes, toleradas no submundo das fontes (distante dos olhos da maioria), passaram a incomodar os defensores de um modelo de cidadão baseado no projeto burguês.
O discurso de ódio nos pedidos de maior policiamento, de repressão severa aos “vagabundos” e ao “povinho”, resultava do medo das elites locais, desejosas em padronizar os comportamentos e criar um cidadão passivo e obediente. Os pobres deveriam permanecer em seu devido lugar, sem incomodar os ditos “cidadãos corretos”, e caso necessitassem frequentar os espaços públicos, precisariam se comportar dentro do padrão imposto pela burguesia – não havia liberdades individuais e todos teriam que aceitar a programação.
Aqueles que saiam do modelo, os diferentes, os “anormais”, os divergentes, quase não possuíam direitos. Estes indesejados eram tratados com violência e expulsos dos espaços públicos. Se possível, jogados na cadeia!
Por Alexandre Camargo de Sant’Ana