Com facilidade, temos escutado pessoas suspirando: “Não vejo a hora de voltar tudo ao normal”. E, de fato, esta é uma aspiração partilhada por muitos: poder retornar. Masesse “normal” poderá ser uma volta ao modo de vida que levávamos antes da pandemia? Este tempo não provocou nenhuma mudança em nós e em nosso mundo e, por isso, desejamos“voltar” às coisas tais como elas eram antes? Quer dizer que não aprendemos nada de novo com a dureza e os sofrimentos deste período?
Parece que retomar a vida com suas relações e dificuldades – algumas das quais foram acentuadas pela pandemia, mas não criadas por ela, como as dificuldades econômicas e sanitárias de nosso país – exigirá um grande esforço conjunto e uma mentalidade nova para seguir avante. Esforço das populações e de seus governantes que poderia seguir pelo caminho do cuidado.
É tempo de ser cuidadores: “cuidar-se e cuidar uns dos outros”, afirmou o Papa Francisco na última quarta-feira. “Cuidar é uma regra de ouro da nossa condição humana e traz consigo saúde e esperança. Cuidar dos doentes, dos necessitados, dos abandonados: essa é uma riqueza humana e também cristã”.
Ao cuidado pessoal e dos mais necessitados é preciso unir o cuidado da casa comum: a Terra e cada uma das criaturas. “Todas as formas de vida estão interligadas e a nossa saúde depende da saúde dos ecossistemas que Deus criou e dos quais ele nos encarregou de cuidar”. Abusar desses ecossistemas “é prejudicial e nos deixa doentes”. E, como não existe nem existirá uma vacina para nos curardesse mau uso da casa comum, o melhor remédio é a contemplação.
Contemplar não é a atitude passiva de quem não faz nada. Pelo contrário: significa aprender novamente “a parar,a admirar e a apreciar o que é belo”. Sem contemplação,as pessoas e toda a natureza são transformadas“em objeto de uso e abuso sem escrúpulos”. Porém, é preciso reconhecer que “as criaturas têm um valor em si mesmas e ‘refletem, cada uma à sua maneira, um raio da infinita sabedoria e bondade de Deus’ (Catecismo da Igreja Católica, 339). Esse valor e esse raio de luz divina devem ser descobertos e, para os descobrirmos, precisamos estar em silêncio, ouvir, contemplar. A contemplação cura também a alma”.
A pessoa que (re)aprende a contemplar, “mais facilmente se porá em ação para mudar o que produz degradação e danos à saúde. Comprometer-se-á a educar e a promover novos hábitos de produção e consumo, a contribuir para um novo modelo de crescimento econômico que garanta o respeito pela casa comum e o respeito pelas pessoas”. Desse modo, surgirá gradativamente um estilo de vida sustentável, capaz de trabalhar a terra para a sobrevivência e o desenvolvimento, sem transformar o trabalho em sinônimo de exploração. “Não podemos pretender, prossegue Francisco,continuar a crescer a nível material, sem cuidarmos da casa comum que nos acolhe. Os nossos irmãos e irmãs mais pobres e a nossa mãe terra gemem pelos danos e injustiças que causamos e reclamam outro rumo. Reclamam de nós uma conversão, uma mudança de rumo: cuidar também da terra, da criação”.
A necessidade de sermos cuidadores – cuidar-se, cuidar dos outros e da casa comum – nos impele, portanto, a seguir avante e a não retornar ao antigo normal, idealizado como se fosse o melhor. Assumamos o nosso compromisso, sem continuar a “delegar a alguns aquilo que é tarefa de cada ser humano. Cada um de nós pode e deve tornar-se um ‘guardião da casa comum’, capaz de louvar a Deus pelas suas criaturas, de contemplar as criaturas e de as proteger”.