Gosto de lembrar das estórias vividas no sobrado do Largo da Matriz que pertencia à minha avó Adelaide Dacheux. Eu era ainda menina, mas lembro de muitas pessoas, algumas até folclóricas na cidade, que eram assíduas frequentadoras do sobrado. Uma delas era Joaquina, a "Rainha da Moda", que toda quarta-feira vinha buscar seu dinheirinho. Era uma negra alta e forte, que usava na cabeça um tipo de peruca feita de pano. Suas roupas eram colocadas uma por cima da outra e as muitas saias engordavam lhe os quadris, deixando à mostra um par de pernas muito finas e musculosas. Daí também ser chamada de "Maria 7 saias". As crianças a respeitavam, talvez por medo, pois diziam que ela era homem vestido de mulher. Ela chegava cedo ao sobrado, arriava um enorme saco de pano no corredor e saía coletar dinheiro, roupas e comida em outras casas, clientela certa, que também a acolhia e ajudava. A "Rainha da Moda" morava num casebre de madeira e chão batido na Estrada do Correia Velho, naquela época, um local ermo e de difícil acesso. Depois de receber os donativos, fazia uma comprinha do que fosse necessário para passar a semana, colocava tudo no saco de pano, que punha às costas e, descendo as escadas do sobrado se despedia: "Até pra semana, dona Adelaide. Que Deus abençoe a senhora!" E assim foi, até que numa quarta-feira Joaquina não apareceu. Estaria doente? Foram procurá-la e a encontraram morta. Acho que morreu de morte natural e, segundo comentários, com muito dinheiro guardado. Se era homem ou mulher, foi o grande segredo que o agente funerário nunca revelou.
Outro frequentador do sobrado era Catito, um negro conversador, alegre e sorridente, proprietário de um sítio para as bandas do Imbocuí. Era um homem sempre bem vestido, exalando um suave perfume de alfazema de suas roupas impecavelmente limpas. Ele trazia na sua carroça para vender as frutas da estação e a melhor farinha de mandioca produzida na região. Quando Catito chegava com a farinha, comprada sempre em grande quantidade, vovó mandava despejar em uma lata de 18 litros, que ela mantinha bem fechada para não amolecer o produto. Catito sentava, tomava café, falava da família, do sítio e descia para atender os outros fregueses que já estavam tirando uma provinha das jabuticabas, mimosas, araçás, goiabas, cambucás, atas, carambolas e tantas outras frutas que eram vendidas aos cestos. Tempo de fartura, de frutas frescas, de boa qualidade e procedência conhecida.
Maria Helena Mendes Nízio
Diretora de Cultura – IHGP