É preciso entender, ou melhor, compreender, que o artista, geralmente, não se encaixa em determinados padrões, moldes ou quaisquer outras tentativas de enquadramento em regras e comportamentos. Tampouco aceita ser rotulado por teorias do tipo “isso é certo” e “isso é errado”.
Não se engane: até o mais tímido e aparentemente contido abriga uma efervescência, um dinamismo, uma fúria, e é para a arte que ele direciona esse impulso que transborda de sua essência. Na mente sempre inquieta, habitam sonhos, e não importa se são possíveis ou não, estão ali, apontando para o futuro e sustentando esperanças. Essa mesma mente também concebe projetos e ideias que precisam encontrar a saída. É aí que a arte se manifesta.
Cada artista traz consigo um vulcão prestes a entrar em erupção. É justamente no momento dessa explosão criativa que surgem os quadros, as músicas, as atuações teatrais, os textos, a dança… e tantas outras formas de expressão artística que extravasam aquilo que já não comporta o silêncio interior.
Todo esse preâmbulo é para falar do documentário Ritas, uma homenagem a Rita Lee. Assim mesmo, no plural, na tentativa de representar todas as facetas que coexistiam nela. Em diversos momentos, é a própria Rita quem se filma, narra histórias, contextualiza fotografias dispostas em um álbum, apresenta os gatos e os vários animais que vivem soltos e integrados à natureza. Ela escolheu um sítio para chamar de lar, e foi nesse refúgio que passou a morar quando decidiu deixar os palcos e se recolher para uma vida voltada à introspecção. E desse mergulho íntimo, ouvindo tudo o que ainda vibrava em sua alma e revisitando memórias, que surgiu sua autobiografia, ou seja, Rita trocou os holofotes pelas palavras. E que palavras!
A sensação que temos ao ler sua obra é a de que ela está ali, no sofá da nossa casa, conversando sem reservas sobre tudo o que viveu. Um papo descontraído e cativante que nos prende. O documentário segue essa mesma linha. Por sinal, na sessão de cinema a que assisti, os créditos finais não foram suficientes para fazer o público se levantar, porque até eles receberam um cuidado especial, recheados de imagens e homenagens, ao som de uma de suas canções. Um primor!
Em outros trechos, o filme traz recortes de diversos shows, entrevistas, parcerias musicais e a Rita que todos conhecemos: irreverente, destemida, inteligente, ousada, moleca, fêmea, debochada, impulsiva, sem papas na língua, eufórica, meteórica… e muito mais.
As luzes iam se acendendo, e os espectadores continuavam com os olhos fixos na tela, todos sem a menor pressa de voltar à realidade. Como é boa uma ilusão para chamar de sua. A arte… ah, a arte! E o artista, por meio dela, cria, encanta e seduz. Uma tríade poderosa, capaz de nos fazer parar tudo só para admirá-la.
Bravo!