Por: Kátia Muniz
Dois amigos mantêm, durante anos, a mesma rotina. Todos os dias um deles vai até a casa do outro com a finalidade de seguirem juntos a um bar e lá permanecerem, por muito tempo, jogando conversa fora.
Porém, certa vez, cumprindo o ritual diário, o homem bate à porta e não é atendido. Intrigado, contorna a residência e vê, pela vidraça da janela, que seu amigo está sentado na sala, fumando calmamente.
No dia seguinte, encontra-o e aproveita a oportunidade para perguntar o que aconteceu, se fez algo errado ou disse alguma coisa que o ofendeu. Busca por respostas para eliminar aquele silêncio sepulcral.
Corta. Chegou o momento para refletir.
Há silêncios cortantes. Há silêncios ensurdecedores. Há silêncios que machucam.
Quando se faz uso do diálogo, é possível expurgar aquilo que incomoda. A verdade, por mais que doa, é expelida, dita, sonorizada. Surge a possibilidade de argumentar e esclarecer aquilo que gerou desconforto. Na melhor das hipóteses, pode ser um equívoco ou, quem sabe, uma interpretação errônea dos fatos.
Já o silêncio, não. Este costuma provocar desespero naquele que o recebe. E dói. Dói porque atravessa a alma, atormenta, perfura, inquieta, atordoa.
Uma vez que nada é falado, combinado, sinalizado, instala-se, automaticamente, a dúvida, os questionamentos e o vazio das frases que não foram preenchidas.
Por outro lado, é sabido que algumas pessoas trazem consigo uma enorme dificuldade em expressar o que estão sentindo. Em virtude disso, costumam evitar enfrentamentos do cotidiano porque não sabem ou não conseguem se posicionar. Não raro, diante de uma situação que exija delas uma tomada de decisão, veem-se acuadas e, como rota de fuga, adotam o silêncio.
Outras oferecem o silêncio como forma de punição, como se fosse um castigo. O intuito é ver o outro agonizar, humilhar-se e implorar por respostas que não serão entregues, ou seja, tortura.
O silêncio é um bálsamo quando vem como forma de descansar os pensamentos depois de uma longa jornada de trabalho; quando o bebê finaliza o período das cólicas e dorme feito um anjo, por horas seguidas; quando, para evitar fofoca ou atritos desnecessários, o melhor é permanecer de boca fechada. Caso contrário, o silêncio não é bem-vindo.
Vale esclarecer que toda essa elucubração me ocorreu após assistir ao filme Os Banshees de Inisherin, um título difícil de pronunciar, mas que rasga a tela com uma infinidade de temas para se discutir.
Por sinal, os parágrafos iniciais desta crônica fazem menção às cenas que abrem o filme. Providencialmente o longa aborda o silêncio, para depois provocar muito barulho. É arte como tem que ser, cumprindo o seu papel de entregar não só entretenimento, mas emoção com doses excessivas de reflexão.