No dia 3 de maio, uma denúncia de possível crime de importunação sexual ocorreu em Paranaguá com relação ao médico ginecologista Amauri Bilieri, em um consultório ginecológico, algo que desencadeou outras denúncias com relação ao profissional que atua há mais de 30 anos em Paranaguá. Com foco na imparcialidade e em trazer todas as versões do caso, nos últimos dias a equipe de reportagem da Folha do Litoral News conversou com o delegado operacional e adjunto da 1.ª Subdivisão Policial (1.ª SDP) da Polícia Civil do Paraná (PCPR), Nilson Diniz, assim como com as possíveis vítimas e seus advogados, bem como com a defesa do médico Amauri Bilieri e o Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR).
Em nota, o delegado adjunto e operacional da 1.ª SDP, Nilson Diniz, afirmou que até a noite da segunda-feira, 23, a Polícia Civil já instaurou oito procedimentos investigatórios “para apurar notícias da prática de crimes contra a dignidade sexual, em tese, cometidos por um médico ginecologista”, acrescenta. “As investigações são realizadas em sigilo, de modo a preservar a intimidade das vítimas e em respeito ao princípio da não-culpabilidade. Do mesmo modo, o atendimento também vem sendo realizado de forma individualizada, por uma escrivã de polícia, objetivando a não revitimização das mulheres que vêm procurando a Polícia Civil”, afirma Diniz.
DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS
3 de maio: médico ginecologista começa a ser acusado de importunação sexual
Primeiro caso relatado neste ano à polícia permitiu que outras mulheres fizessem denúncia
No dia 3 de maio deste ano, foi relatada a primeira acusação de importunação sexual contra o médico ginecologista Dr. Amauri Bilieri, neste ano, em Paranaguá, para a 1.ª Subdivisão Policial. A vítima, de 25 anos, entrou sozinha para a consulta, mas seu marido estava esperando no carro com o filho deles do outro lado da rua. Sem reação diante da importunação, com medo e assustada, o marido da vítima que tomou prontamente a atitude de chamar a polícia.
Ela diz que percebeu a situação durante o exame transvaginal, procedimento de imagem que permite visualizar os órgãos genitais internos das mulheres e detectar possíveis anormalidades. No caso da paciente que acusa o médico de importunação, o exame era necessário para verificar o dispositivo intrauterino, o método contraceptivo utilizado por ela.
Antes mesmo de o exame começar, “o médico teria agido de forma estranha”, segundo ela relata. “Ele pediu para eu deitar para fazer o exame e ia de um lado para o outro, para uma sala e para a outra, isso já me deixou apreensiva. Quando ele começou com os gestos eu levantei a cabeça e ele parou e começou a fazer o exame transvaginal. Mas, mesmo assim, depois continuou. Ele foi me mostrar na tela onde estava o meu DIU e vi que a mão dele estava tremendo”, observou a paciente.
Ela afirma que por estar sozinha na sala com o médico, ficou com medo e sem reação. “Eu fiquei paralisada, em pânico e não consegui gritar ou ter outra reação. Só ficava pensando o que ele poderia tentar fazer comigo dentro daquela sala. Estava com meu celular na mão, mandei mensagem para o meu marido para ele entrar, eu só queria sair dali. Só consegui falar o que tinha acontecido depois de sair”, afirmou.
O casal chegou a conversar com o médico após a consulta, o qual implorou, segundo ela, para que não fizessem nada. “Eu fiquei lá fora, chorando, nervosa, meu marido ficou conversando com ele no portão e ele dizendo que não tinha feito nada. Eu acredito que ele achou que eu estava sozinha. Mas, meu marido ficou no carro com meu bebê. Quando saí nervosa e ele viu que meu marido estava lá, ele nos chamou para conversar, se ajoelhou, pediu perdão, disse que não fez nada. Jurou, disse que estava com câncer de próstata. Meu marido ligou para a polícia e o médico saiu de carro, tanto que quando a polícia chegou ele já não estava mais ali”, lembrou a vítima.
Advogados da vítima falam sobre caso ocorrido no início de maio
O escritório Pinheiro Neto Advogados Associados, responsável pela defesa de uma das possíveis vítimas por meio dos advogados Antonio Pinheiro Neto, Ananda Pinheiro e Lucas Santiago Alves Vitorino, encaminhou o Boletim de Ocorrência (BO) feito junto à Polícia Civil do Paraná (PCPR) por uma das denunciantes contra o médico Amauri Bilieri como possível autor. No texto do documento consta a natureza do possível crime de importunação sexual, na ala dos crimes contra a dignidade sexual, algo que teria ocorrido na tarde do dia 3 de maio e BO protocolado no mesmo dia. A descrição sumária afirma que “no local, em contato com a Sra. (nome preservado), esta informou que chegou à clínica para realizar um exame transvaginal, que seria um exame de imagem não invasivo, para verificar a respeito da manutenção do DIU que possui”, informa.
“Relatou que ao entrar na sala com o médico ginecologista de nome Amauri Bilieri, este teria trancado a porta, fato este que a vítima achou estranho, pois nunca havia ocorrido em outras vezes que este mesmo exame citado com outros médicos e clínicas, ainda sem alguém que acompanhasse a situação. Teria o médico lhe pedido para que se deitasse e retirasse a parte de baixo de suas vestimentas. Após estar deitada e já sem a parte de baixo de suas vestes, o então médico Sr. Amauri veio a agir de forma estranha em relação às suas partes íntimas. Em seguida, teria pego um gel lubrificante e dado início ao exame acima citado com suas mãos, que na sequência teria então realizado gestos estranhos como de masturbação com uma de suas mãos na vítima”, informa o BO.
Ainda de acordo com o boletim de ocorrência, “após a vítima reagir de forma diferente, o médico teria parado com seus gestos naquele momento”, acrescenta. “Informa ainda que após o ocorrido, teria pego um aparelho para manutenção e verificação do DIU, que o lubrificou com gel e inseriu novamente na parte íntima da vítima e, após finalizado o exame, teria então iniciado um novo gesto com masturbação na parte íntima da vítima Sra. (nome preservado), Neste momento ela teria enviado então mensagem via App para seu marido de nome (nome preservado) que se encontrava na parte de fora da clínica cuidado do seu filho menor de idade, colocado também a sua vestimenta e de imediato pedido para que o médico Sr. Amauri Bilieri destrancasse a porta do consultório e a deixasse sair”, informa o documento.
“Na parte de fora da clínica, repassou a situação ao seu marido Sr. (nome preservado), que fez contato com a Polícia Militar via 190. Que veio ainda o médico Sr. Amauri a pedir desculpas sobre o ocorrido e implorar para que não acionasse a Polícia Militar no local. Que, segundo a vítima, após informar que daria continuidade à situação e registro, o médico Sr. Amauri veio a se evadir do local antes da chegada da equipe policial”, informa o BO, ressaltando ainda que “a equipe PM teria tentado contato com o médico Sr. Amauri, este relatou que se encontrava em um procedimento médico cesariana”, completa. “A vítima foi orientada a dar continuidade quanto aos procedimentos cabíveis na delegacia citada”, finaliza o boletim.
Em nota à Folha do Litoral News, o escritório Pinheiro Neto Advogados Associados frisou ainda que “através dos seus advogados que a esta subscrevem, vem a público, na qualidade de defensores da vítima do fato datado em 03/05/2022, externar que todas as medidas cabíveis estão sendo tomadas”, completa. “Nós, como todos os familiares da vítima, manifestamos repúdio às declarações que atacam a ofendida e advertimos que a atribuição da culpa à vítima contribui para legitimar este comportamento ilícito, bem como desencoraja outras mulheres que foram assoladas por situações semelhantes”, informa.
“Ainda, destacamos que estamos atentos às redes sociais e não toleraremos em nenhuma hipótese a ofensa à integridade moral e psicológica da ofendida, visto que utilizaremos todos os meios legais cabíveis para resguardar a vítima. Por fim, salientamos que nosso objetivo é a responsabilização do Sr. Amauri nas esferas administrativa (junto aos Conselhos Federal e Regional de Medicina), cível e criminal (perante o Poder Judiciário”, finaliza a nota datada no último dia 23 de maio.
Silêncio e revolta: Mulher relata importunação sexual sofrida em consultório médico há 25 anos
Casos de outras pacientes a motivou a fazer denúncia
O termo importunação sexual significa qualquer prática de cunho sexual realizada sem o consentimento da vítima. A prática é crime de acordo com a legislação penal brasileira vigente, desde 2018. Portanto, há 25 anos, tal lei ainda não existia, tampouco as informações eram amplamente divulgadas para o conhecimento e defesa das mulheres que, muitas vezes, se sentiram vulneráveis diante de situações constrangedoras, as quais foram submetidas.
A paciente do médico ginecologista Dr. Amauri Bilieri, em Paranaguá, que prefere não se identificar, é uma entre as que, recentemente, registraram boletim de ocorrência contra atos de importunação cometidos pelo profissional.
Ela contou que já era paciente há algum tempo e que, na última vez, quando o caso ocorreu, ela havia procurado o atendimento para um exame de rotina.
“Deitada, em posição ginecológica coberta, ele me descobriu e começou a andar na minha frente de um ambiente para o outro, isto é, da sala de exames para a sala de anamnese. Andava e me olhava. Neste momento notei que ele não estava agindo de forma normal e esperada. Fiquei tensa e alerta. Após estas idas e vindas entre os ambientes, ele sentou-se para fazer o exame, mas não pegou nenhum tipo de instrumento, nem colocou luvas, e tocou minha vulva, me estimulando”, relatou a paciente.
Segundo ela, o fato aconteceu uma única vez e foi a última que procurou pelo atendimento. Ela explicou porque a denúncia só ocorreu agora. “O B.O. já foi registrado. Até então, eu não havia comentado com outras pessoas, exceto meu namorado e minha mãe. Quando vi o relato e os comentários de outras mulheres dizendo que também sofreram isso, eu me senti encorajada para também fazer o BO. Até então eu guardava isso comigo, me sentia muito mal sempre que lembrava. É algo que mexe com o emocional e o psicológico. E como aconteceu dentro de um ambiente em que só eu e ele nos encontrávamos, me senti mais vulnerável”, disse. “Nós mulheres que estamos habituadas com exames ginecológicos sabemos muito bem discernir os procedimentos habituais e os que excedem”, completou a vítima
Justiça
O que ela e outras mulheres que fazem a acusação esperam é que haja justiça para punir o médico e, assim, colocar fim nas atitudes cometidas por ele.
“O que não só eu espero, mas as demais vítimas e toda a sociedade é que haja justiça. Que ele perca o direito legal do exercício da Medicina. E com isso acabar com o abuso. Aproveito para deixar um recado para todos os profissionais, não só da área da saúde. Tenham cuidado, nos respeitem! Se procuramos seus serviços é porque necessitamos. Limitem-se ao que lhes cabe, o que passar disto é abuso e vocês irão ser responsabilizados”, frisou.
De acordo com ela, a divulgação das denúncias contra o médico causou um alerta na sociedade e facilitou a identificação dos casos por outras mulheres. “Depois desta denúncia, sabemos de casos de alguns profissionais que abusam das pacientes e clientes”, afirmou a vítima.
Ausência de assistente
A paciente destacou que nenhuma das vezes que se consultou com o médico havia uma assistente em seu consultório. “Nunca teve assistente no consultório, auxiliando durante o exame. A única pessoa que tem é a recepcionista, que fica no posto dela, nunca no ambiente da consulta e exame. Sei que algumas pacientes foram acompanhadas, mas ficavam na sala de anamnese, nunca vendo os procedimentos”, relatou.
Segundo ela, o médico acusado não permitia que a paciente entrasse para a consulta com acompanhante. “Todos os médicos têm uma assistente na sala de exame, para o auxílio do profissional, para resguardá-lo e a paciente também. Ele diz que tem assistente e que quando a paciente ia com acompanhante, esta pessoa ficava junto. Não! Isto não é verdade. Muitas vezes (relatado) ele nem permitia que o acompanhante entrasse, tinha que ficar na recepção”, disse.
A paciente conta ainda que se sente mal hoje por ver tantos relatos de mulheres que passaram por situações ainda mais difíceis. “Tem casos escabrosos, que é difícil até de relatar. Eu me sinto muito mal lendo os relatos e hoje revivendo. Nenhuma mulher faria uma denúncia tão grave apenas para prejudicar o profissional. Se estamos trazendo isso a público é para evitar mais vítimas, evitar que ele continue abusando, assediando e proferindo impropérios para as pacientes, pessoas subordinadas a ele e também colegas de trabalho”, finalizou.
O Código de Ética Médica, no Capítulo I, dos Princípios Fundamentais, prevê que “o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional”.
O que diz a lei
De acordo com o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), antes do surgimento da Lei 13.718/18, o crime de importunação era enquadrado na Lei de Contravenção Penal, no art. 61, que trata da importunação ofensiva ao pudor. Com sanção da lei em setembro de 2018, passou-se a garantir proteção à vítima quanto ao seu direito à liberdade de ir e vir sem sofrer com importunação.
Mulher relata importunação quando estava grávida
Vítima relatou trauma e acredita que isso tenha influenciado na antecipação do parto
Trauma e constrangimento. São com esses sentimentos que outra ex-paciente acusa o mesmo médico de Paranaguá de importunação sexual sofrida no consultório enquanto fazia o pré-natal do seu segundo filho.
O caso, segundo ela, ocorreu em 2003. “Tentei marcar consulta com o médico que me atendeu na primeira gestação, mas ele estava com a agenda cheia. Pesquisei os outros médicos que tinha pelo meu convênio na época, pois tinha acabado de descobrir que estava grávida. Só consegui horário com o Dr. Amauri. Em todas as consultas eu ia sozinha, meu esposo me levava e ia ao trabalho. Até cerca dos oito meses de gestação, ele me tratou normal, nada que eu pudesse desconfiar. Quando chegou a hora de fazer o exame de toque para ver se eu tinha dilatação, eu percebi algo estranho”, disse a vítima.
Após realizar a ecografia, para ver como estava o bebê, ela disse que notou algo estranho e começou a sentir muitas dores. “Ele colocou aquele pano na minha frente e, depois, quando colocou a mão, deixou um dedo para fora e ficou me estimulando. Eu senti muita dor, pois ele ficou mexendo muito. Na época, eu tinha 19 anos e não tive a coragem de falar para ninguém, achei tudo muito constrangedor. Já é constrangedor fazer esse tipo de exame com homem, mas eu não conseguia achar médica mulher na época e fui obrigada a fazer o acompanhamento com ele, não tinha outra opção”, afirmou a ex-paciente.
A vítima contou que o médico sempre estava sozinho durante as consultas, que nunca houve ajudantes para auxiliar nos exames ginecológicos. “Eu também não sei ao certo o que ele fez, pois eu não via nada por conta do pano que fica na nossa frente, a luz estava meio apagada e a porta ficava fechada”, lembra.
Consequências
No retorno para casa, após a consulta, as dores pioraram e ela teve que procurar atendimento médico na antiga Santa Casa de Paranaguá. “Quando fui para a minha casa senti muitas cólicas, eu não conseguia sentar de tanta dor. Eu estava com oito meses de gestação. Comecei a sangrar até o outro dia, foi quando minha vizinha falou que eu tinha que ir ao médico. Na época procurei a Santa Casa, que agora é o Hospital Regional, eu tinha passado a noite toda com cólicas e com muito sangramento. Na Santa Casa fizeram exames e afirmaram que eu poderia entrar em trabalho de parto, mas ainda não estava na época de o bebê nascer. Fiquei a manhã toda no soro e ganhei a minha filha ao meio dia. Por tudo que aconteceu, acredito que o meu parto tenha sido forçado, pois ele mexeu muito em mim”, recordou a vítima.
Parto
“No meu parto, esse médico estava lá de plantão. Eu perdi as forças na hora do parto e ele mandou uma enfermeira subir em cima de mim e empurrar minha filha porque eu desmaiei na mesa de parto. Minha filha nasceu abaixo do peso, ficou 11 dias na incubadora”, afirmou a vítima.
Ela relatou que, no dia seguinte, o médico a visitou no quarto do hospital. “Depois que ganhei minha filha, ele foi ao quarto e perguntou se estava tudo bem comigo, como tinha sido meu parto e me deu um beijo na testa. Tinha uma outra mulher que teve bebê e estava ao meu lado que achou estranha a atitude dele porque ele sempre era grosso e comigo tinha sido diferente. Acho que ele fez isso porque sabia que tinha feito coisa errada comigo”, observou a vítima.
“Não dei liberdade a ele em momento nenhum, ele abusou da função dele para me importunar”, afirmou denunciante
Vítima procurou a delegacia para registrar o caso em dezembro de 2018
As denúncias de importunação sexual contra o médico ginecologista Dr. Amauri Bilieri não começaram a ser registradas somente neste ano, segundo os registros. Uma das vítimas contou que, em 2018, fez o boletim de ocorrência e denunciou o profissional para o Conselho Regional de Medicina (CRM).
No entanto, o caso não teve o desfecho esperado por ela, motivo de mais angústia e sentimento de injustiça por parte da ex-paciente e de sua família. Agora, com mais casos surgindo, ela espera que seja dada a devida voz às mulheres que passaram pela importunação e que o médico seja responsabilizado.
A ex-paciente relatou que procurou o médico para uma consulta emergencial no dia 7 de dezembro de 2018. “Eu estava fazendo tratamento devido a um cisto. Procurei o Dr. Amauri para ter uma segunda opinião. Na consulta, ele disse que precisaria fazer uma ecografia para verificar a posição do DIU. Eu fui me preparar, tirar a roupa e ele abriu a porta, me flagrou nua, foi uma situação muito chata, tive que terminar de me trocar para o exame na frente dele”, disse ela no momento que começou a estranhar a atitude do médico.
Depois da ecografia, ele teria pedido para ela ficar na posição ginecológica para o exame de toque. “Sem luvas, ele começou a passar a mão em mim e fazer movimentos circulares, coisa que médico algum tinha feito, foi aí que eu percebi a importunação. Eu pedi para ele parar várias vezes, estava tremendo de medo porque estava sozinha na clínica. Eu pedi novamente para ele parar e disse que era muito constrangedor e ele falou: “Por quê? Você já tem dois filhos”. Não dei essa liberdade a ele em momento nenhum, ele abusou da função dele enquanto médico para me importunar. Eu só queria sair daquela situação o quanto antes”, afirmou a denunciante.
Só foi possível sair da situação porque seu telefone tocou. “Ele só parou quando meu telefone tocou. Eu me troquei rapidamente e fui para a porta, ele passou as mãos nas minhas costas e disse para eu ficar tranquila, para eu parar com o medicamento. Saí do consultório e esperei a secretária abrir o portão da clínica, que ficava trancado com cadeado. Contei o que havia acontecido para ela e ele apareceu no corredor que dá em frente ao portão e me olhou com cara feia. Fiquei com muito medo. Sai cortando as ruas para que ele não viesse atrás de mim. Não sei o que poderia ter acontecido se meu telefone não tivesse tocado naquele momento”, lembra a vítima.
Denúncia
Após o ocorrido, ela e o marido receberam orientação de um advogado e foram à delegacia registrar a ocorrência. “Procuramos nosso advogado, ele orientou para abrir um boletim de ocorrência e nos explicou como fazer a denúncia no Conselho Regional de Medicina (CRM)”, disse.
Segundo ela, em 2018, com a inexistência de outros boletins de ocorrência contra o médico, o CRM julgou o caso como improcedente. “Espero que ele pague pelo que está fazendo. Quando aconteceu comigo, alegaram que minhas provas eram muito frágeis. Por não haver histórico de denúncias, eles não poderiam responsabilizar o médico. Agora, em meio a tantos relatos, espero que o CRM, a Unimed e a delegacia façam algo para que ele pare de fazer isso”, ressaltou.
Para a ex-paciente, o médico não deveria exercer a profissão. “Em meio a tantos médicos responsáveis que estão realmente atuando para tratar da saúde da mulher, tem um que se aproveita da situação. Quantas mulheres já passaram por isso? Eu tenho uma filha e jamais admitiria que ela passasse por uma situação dessa”, destacou.
A alegação de inocência do médico causa revolta às vítimas. “Ele afirma que foi um mal-entendido. Mas será que em meio a tantas denúncias, foram tantos assim? São situações muito parecidas. É inacreditável que os órgãos ainda dão credibilidade ao que ele fala, é um absurdo ele ainda se passar por inocente e nós nos passarmos por loucas. Na época do meu caso, o CRM disse que uma denúncia era muito pouco. Precisa de quantas? Um médico não poderia ter nem um caso, ainda mais na função dele que trata de algo tão íntimo”, concluiu a vítima.
O OUTRO LADO
Defesa do médico reforça ausência de provas, inocência e carreira de mais de 30 anos
Na sexta-feira, 20, a Folha do Litoral News entrou em contato por telefone com o advogado Luis Gustavo Janiszewski, responsável pela defesa do médico ginecologista, Amauri Bilieri, que frisou a longa carreira do profissional em Paranaguá e frisou que as situações contam com explicações que estão sendo concedidas junto à autoridade policial. “Primeiro, o Dr. Amauri é um profissional que exerce a Medicina desde 1981. Veja, ele está em Paranaguá desde 1987. Como médico ginecologista e obstetra, ele tem mais de 50 mil pacientes entre os avós, mães e filhas. Infelizmente estamos falando de situações pontuais, todas com explicação, isso a gente vai esclarecer nas acusações propriamente ditas. Ele tem mais de 30 mil partos, só esses anos que está sendo acusado de ter feito desta forma, ele tem, só pela Unimed, mais de 3 mil exames”, afirma o advogado .
“Estamos falando agora de acusações que em um primeiro momento foram veiculadas como se fossem cinco vítimas, mas o que também não é verdade. Um Boletim de Ocorrência (BO) em que ela não era nem paciente dele, o que ela estava reclamando era da forma de tratamento que o Dr. Amauri fez em relação à ela, porque a filha que estava hospitalizada e ela não gostou da forma de tratamento. Nisso, se ganhou uma força que ela foi lá fazer o Boletim de Ocorrência, mas não há crime nenhum em relação a isso”, aponta.
“A segunda suposta vítima ela mesmo diz que é um situação que, em tese, ocorreu há cerca de 25 anos. Veja, algo que não tem mais validade jurídica nenhuma e não tem explicação vir à tona agora, não tem nenhum substrato probatório, nenhuma materialidade, não há nada que aponte isso. Então, essas duas não são acusações, são situações que têm que ser descartadas inclusive pela imprensa”, aponta o autor da defesa do médico.
O advogado frisa que, com relação a uma terceira denúncia, “a situação já era de conhecimento tanto da autoridade policial, quanto do Conselho Regional de Medicina -CRM desde 2018”, acrescenta. “O próprio CRM reconheceu a inocência do Dr. Amauri em relação a isso. Verificou e percebeu que nesse caso específico o Dr. Amauri tem razão e é inocente”, explica.
Segundo Janiszewski, há mais outras denúncias que estão sendo explicadas pela defesa. “Uma eu tenho que tomar muito cuidado para dizer, mas ela tem interesses alheios a essa acusação. Ela diz que esta situação aconteceu em 2018, mas que só veio à tona agora depois que viu na imprensa o ‘bafafá’ aí. Ela usa isso como uma espécie de extorsão ao Dr. Amauri. Troca mensagens com ele até pouco tempo atrás. Então, é uma suposta vítima que de vítima não tem nada”, ressalta.
“Por fim, temos essa que foi o estopim que foi o caso que ocorreu no começo de maio. Me parece, quero fazer crer que não tem má-fé nenhuma, isso foi infelizmente uma falsa impressão dela de um exame e toda a consulta que durou menos de 10 minutos. O Dr. Amauri, do contrário que estão tentando fazer crer, ele sempre clinicava com as pessoas acompanhadas, quer os familiares que acompanhavam os pacientes, quer a sua secretária. Nesse caso específico, ela chegou sozinha, o Dr. perguntou onde estava o acompanhante, ela chegou sozinha e insistiu na consulta, quando o marido foi buscar ela ele foi convidado a entrar na consulta, na metade da consulta foi convidado a entrar, não o fez. Essa moça entrou e saiu pela porta da frente de maneira normal. Isso só ganhou um certo conhecimento quando estava lá fora”, ressalta.
O advogado afirma que “a própria secretária estava dentro do consultório, se efetivamente tivesse acontecido alguma situação explícita, a moça teria gritado, teria brigado, teria tomado uma outra posição”, afirma. “Isso foi uma falsa impressão de que algo aconteceu. Em um limite, num toque linear entre o que ela entendeu que aconteceu e o que realmente aconteceu. Nós pontuamos agora cinco acusações que pesam contra o Dr. Amauri. Por isso que eu falo da nossa responsabilidade, porque tudo isso tem explicação”, ressalta.
“O processo criminal, o próprio inquérito policial, vai dar conta de resolver que não aconteceu nada e vai ser arquivado. Mas a imprensa tem outro ritmo que não é o ritmo da Justiça. É este ritmo da imprensa em que eu preciso estar às claras sempre para fazer a defesa do Dr. Amauri, porque dependendo da forma que se coloca isso na imprensa, vão acabar com a reputação de mais de 40 anos de medicina de um homem sério”, destaca.
O advogado de defesa ressalta que até a sexta-feira, 20, data da entrevista, nenhuma autoridade ainda havia falado. “O delegado de Polícia esclareceu simplesmente pontuando o que eu estou te falando, dizendo que são acusações sérias, mas que é necessário ter muito cuidado na investigação para não acabarmos com a reputação de um homem inocente. Isso é um crime muito sensível mesmo, mas que a gente tem que esperar, para concluir qualquer coisa, a resolução perante à autoridade policial e perante o Poder Judiciário. Fora isso, conto com a responsabilidade de vocês de dar a matéria, mas não concluir nada e nem presumir a culpa do Dr. Amauri”, salienta, frisando que “estamos na iminência de acontecer isso, ele já se encontra extremamente debilitado psicologicamente, porque um inocente ter este tipo de acusação é algo muito pesado”, pondera.
“Das acusações de nova só tem uma e volto a insistir que foi uma falsa impressão e não realmente o que aconteceu”, ressalta Janiszewski.
Segundo o advogado, até agora o médico não foi chamado pela Polícia Civil. “Eu já conversei com o delegado de Polícia, já fui lá e conversei pessoalmente com ele, entendi toda esta situação, tive acesso a tudo, mas o Dr. ainda não foi chamado, principalmente porque, por causa do tempo necessário que o inquérito policial impõe, essa carga de sofrimento que ainda tem nele. Tudo está muito no início agora, a única coisa que existe de investigação da autoridade policial são os depoimentos das supostas vítimas que precisam ser passadas pelo contraditório, que tem que dar o direito de contraditar as afirmações e aí, eu mesmo, o advogado do médico, também irei trabalhar dentro da investigação a fim de esclarecer como foi o procedimento, se o procedimento seguiu as normativas, mas tudo isso eu vou levar no momento certo, com testemunhas que serão ouvidas também, mas sem pressa e sem fazer o ‘justiçamento’, sem correr contra o tempo aconteça, as coisas tem que andar no seu trilho normal, na sua devida normalidade”, complementa.
“Em que pese ele estar sofrendo uma acusação injusta, ele não parou de clinicar, ele tem a respeitabilidade de toda a sociedade parnanguara. Em momento algum ele se omitiu de exercer a medicina, o consultório dele continua de portas abertas para os pacientes. Lógico que ele baixou um pouco o volume de trabalho, agora, para todas as pacientes que ele tem confiança, e se perceber muita gente ainda continua procurando, não acreditaram. Nós temos um grande problema hoje que é o Facebook, onde todo mundo acha que pode falar o que quer, mas lá mesmo tem muita mulher defendendo o Dr. Amauri, dizendo que não, que ele cuidou da sua mãe, da sua avó e que atualmente cuida de mim (paciente). Ele continua clicando. Nesse sentido o consultório dele está de portas abertas”, afirma o advogado.
Segundo a defesa, é necessário também ficar atento ao que “não ocorreu”. “Porque digo isso. Porque em casos paralelos, em que tentam fazer essa similitude com alguns casos bem rumorosos Brasil afora, a gente tem prisões preventivas, nós temos suspensão da medicina, nós temos diversas vítimas aparecendo, o que não aconteceu no caso específico em que ele continua exercendo a medicina, não teve nenhuma resposta rápida por parte do Judiciário, o Ministério Público não pediu nada nesse sentido, porque sabe que as provas são muito frágeis, sabe que nós temos que dar um olhar um pouco mais aprofundado”, explica sobre haver ou não uma possibilidade de denúncia.
“Os próximos passos para comprovar a inocência dele é acompanhar um inquérito policial como um todo. Lógico que tem alguns apontamentos da defesa que eu ainda não posso falar, no momento certo eu vou esclarecer, mas basicamente iremos acompanhar o trabalho policial, pedir algumas contraprovas e esperar que a Justiça seja feita. Nesse caso, a própria autoridade policial pode perfeitamente falar que não aconteceu o crime, ou falar que pode ter acontecido alguma coisa, mas que as provas são muito frágeis ao ponto de não levar nem para uma percepção penal, que é o grande interesse da defesa, nisso acabar já em fase de inquérito policial”, detalha, ressaltando a possibilidade do arquivamento do processo.
O operador do Direito alerta para que não ocorra nenhum “julgamento midiático”, pois mais à frente do processo “chegar na hora e nem denunciado ele será, nem punido pelo seu conselho de classe”, explica. “Em que pesem ser depoimentos fortes, nós temos algumas situações que não correspondem com a verdade”, finaliza o advogado Luis Gustavo Janiszewski.
CRM-PR instaurou procedimento sindicante sobre o caso
Na sexta-feira, 20, o Conselho Regional de Medicina (CRM-PR) se posicionou em nota sobre as denúncias de importunação sexual contra o médico ginecologista Amauri Bilieri. “Sobre denúncias veiculadas nos meios de comunicação envolvendo o referido médico, temos a informar que, como lhe é facultado, o CRM-PR instaurou procedimento sindicante de ofício. Não recebeu denúncia(s) diretamente. O procedimento tramita sob sigilo, em atenção ao que é disciplinado por lei. O CRM-PR não se manifesta sobre casos concretos ou estabelece situações comparativas”, informa.
“Como previsto pela Lei 3.268/1957, são cinco as penas que podem ser aplicadas a profissional por desvio de conduta ética. São elas: advertência confidencial em aviso reservado; censura confidencial em aviso reservado; censura pública em publicação oficial; suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias; ou cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal de Medicina. As decisões condenatórias já ratificadas e em situações que podem ser tornadas públicas estão disponíveis no Portal do CRM-PR e também são publicadas no Diário Oficial”, informa, destacando que as sanções disciplinares constam no link: https://www.crmpr.org.br/Sancoes-disciplinares-1-21.shtml .
Segundo o CRM, pacientes, em consultas ginecológicas, podem adentrar nas salas médicas com acompanhamento. “Sob os preceitos éticos emanados do Código de Ética Médica, pareceres dos Conselhos de Medicina recomendam que o médico realize consulta ou ainda exame de mama ou ginecológico na presença de auxiliar da área de saúde ou familiar ou acompanhante de paciente. Ressalte-se que todo empenho do médico deve ser em prol do bom atendimento do(a) paciente e que o bom senso igualmente deve prevalecer nessa relação. No caso de adolescente do sexo feminino, que opte por ser consultada sem a presença de um dos pais ou responsável, e tenha deles o aval, a presença de uma auxiliar é indispensável durante o exame físico da paciente”, detalha.
“Importante destacar que consultas médicas são sigilosas e, portanto, o acompanhamento deve ser autorizado pelo(a) paciente. No caso de menor de idade ou incapacitados, a participação ocorre através de seu responsável legal. Pareceres e resoluções sobre o tema podem ser conferidos no Portal do CFM no link www.portalmedico.org.br“, finaliza a nota do CRM-PR.
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EDITORIAL
O avanço da legislação na proteção das mulheres
A Lei 13.718, que trata do crime de importunação sexual, é de 2018. Até então, os casos eram tratados pela Lei de Contravenção Penal, que fala sobre a importunação ofensiva ao pudor. A necessidade de especificar os casos e oferecer meios para que as mulheres se defendam se deu após várias situações ocorridas dentro dos meios de transporte coletivo e locais públicos.
Qualquer prática de cunho sexual realizada sem o consentimento da vítima, ou seja, pela realização de ato libidinoso na presença de alguém de forma não consensual, com objetivo de se satisfazer ou a terceiros, é crime. A prática não deve ser naturalizada na sociedade e isso ainda precisa ser reforçado. Precisa porque muitas mulheres são vítimas diariamente dentro de contextos e realidades diferentes que podem impedir, por falta de conhecimento ou por constrangimento, que os fatos sejam relatados.
Algumas sabem que determinados atos são crimes, mas têm vergonha de fazer a denúncia. Outras, sabem identificar, mas não acreditam que a denúncia irá acarretar na culpabilidade do responsável. Outras desconhecem a lei, choram caladas e se sentem culpadas. O último cenário era o mais comum há alguns anos com a ausência da lei e de informações divulgadas pelos veículos de comunicação. Mas o maior perigo está aí, no silêncio.
Quando novos casos de importunação quebram a barreira do silêncio, é que se pode começar a ter alguma mudança. Só assim se pode avançar na punição dos responsáveis. Mas, para isso, é preciso dar voz, validar o que é relatado pelas mulheres. Só elas sabem o que é passar por um sofrimento, serem diminuídas e tachadas como culpadas por situações que não provocaram. O corpo é delas, não é público, ninguém tem o direito de invadir a sua privacidade sem o seu consentimento. Ao passo que a legislação avança, também é preciso que a sociedade avance para mudar a realidade.